terça-feira, 6 de abril de 2010

Uma unidade cognitiva: computador/usuário


Image: At left, Martin Heidegger/WikiMedia Commons; at right, a schematic of the systemic interactions experienced while using (a) a functional tool and (b) a malfunctioning tool/PLoS ONE. (Ilustração original da Wired)


Your Computer Really Is a Part of You
By Brandon Keim
March 9, 2010
"Um teste empírico de idéias propostas por Martin Heidegger mostra que o grande filósofo alemão estava certo: as ferramentas do dia-a-dia de fato tornam-se parte de nós.

Os achados se originam de um estudo enganosamente simples de pessoas utilizando um mouse de computador modificado para não funcionar direito. A quebra de atenção resultante não foi superficial. Estendeu-se até as próprias raízes da cognição.

'A pessoa e as diversas partes do seu cérebro, o mouse e o monitor, estão tão intimamente interligados que tornam-se uma coisa só', disse Anthony Chemero, cientista cognitivo do Franklin & Marshall College. ''A ferramenta não está desconectada de você. Ela é parte de você'.

O experimento de Chemero, publicado na Public Library of Science de 9 de março, foi projetado pata testar um dos conceitos fundamentais de Heidegger: o de que as pessoas não notam ferramentas familiares, funcionais; ao invés, 'vêem através delas', indo diretamente à tarefa em questão, precisamente pela mesma razão que as pessoas não pensam nos dedos quando dão laços nos sapatos. As ferramentas somos nós.

Esta idéia, chamada de 'uso imediato' ('ready-to-hand' - em oposição a 'present-at-hand', 'uso pensado', na terminologia de Heidegger - veja Nota 1, abaixo) teve influência sobre pesquisas de inteligência artificial e ciência cognitiva, mas sem ser testada diretamente.

Em seu novo estudo, Chemero e os alunos de graduação Dobromir Dotov e Lin Nie monitoraram os movimentos manuais que utilizavam um mouse para guiar um cursor durante uma série de testes motores. Durante os testes, o movimento do cursor se atrasava com relação ao do mouse. Após alguns segundos, funcionava direito de novo. Quando a equipe de Chemero analisou como as pessoas movimentavam o mouse, descobriram profundas diferenças entre os padrões produzidos durante o funcionamento normal e o funcionamento anormal do mouse.

Quando o mouse funcionava direito, os movimentos da mão seguiam uma forma matemática conhecida como 'one over frequency' ou 'pink noise'. É um padrão que surge repetidamente no mundo natural, de flutuações universais de ondas eletromagnéticas a movimentos de marés a sequências de DNA. Os cientistas não entendem inteiramente o pink noise, mas há evidências de que nossos processos cognitivos estão naturalmente afinados com ele.

Mas quando o mouse dos pesquisadores não funcionava direito, o 'pink noise' desaparecia. O mau funcionamento do mouse fazia com que os sujeitos tomassem consciência dele - o que Heidegger chamava de 'unreadiness-at-hand' - e o computador não mais fazia parte de sua cognição. Só quando o mouse voltava a funcionar direito é que a cognição voltava ao normal. (Supõe-se, ainda que os pesquisadores não tenham testado essa proposição: que a cognição também teria voltado ao normal se os sujeitos do teste tivessem se levantado e parado de usar o computador). 'Os resultados demonstram como as pessoas se fundem com suas ferramentas', disse Chemero.

'Aquilo que realiza o pensamento é maior do que seu corpo biológico', disse ele. 'Você fica tão intimamente ligado às ferramentas que está usando que elas literalmente fazem parte de você enquanto algo que pensa e se comporta'.

Indagado se um defeito no computador - digamos, o notório atraso no teclado do iPhone - poderia então ser visto como uma descontinuidade em nossos 'selves' (CLM - expressões do eu), Chemero disse: 'Sim, é exatamente isso'
.

Nota 1
Traduzi 'ready-at-hand' por 'uso imediato' e 'present-at-hand' por 'uso pensado', mas veja explicações no texto a seguir:
Design de interfaces tangíveis para aprendizagem de conceitos matemáticos no Ensino Fundamental (p. 40)
Taciana Pontual da Rocha Falcão 2007

Artigo de origem:
A demonstration of the transition from ready-to-hand to unready-to-hand"
Dobromir G. Dotov, Lin Nie, Anthony Chemero
.
PLoS ONE, Vol. 5 No. 3, March 9, 2010.

Leia também:

Defending Extended Cognition
Anthony Chemero & Michael Silberstein 2008