(Acima, Laurent Cohen)
Este é um assunto fascinante, já que reporta a questões como nature/nurture, precursores morfogenéticos e epigenéticos (do artigo: "Que precursores evolutivos poderiam explicar a notável consistência da localização e organização cortical do processamento ortográfico entre as culturas?"), implementação/fixação de leitura, escrita e cálculo numérico em crianças, e assim por diante. Dehaene e Cohen sugerem que os casos mais interessantes de reciclagem neuronal cultural se referem à extensão das habilidades cerebrais humanas em uma direção radicalmente nova, não antecipada pela evolução, mas sim tornada possível através de uma inventividade cultural que explora inteligentemente nossos circuitos corticais. Leia abaixo a tradução da Introdução do artigo.
Cultural Recycling of Cortical Maps
Stanislas Dehaene & Laurent Cohen 2007
(DOI 10.1016/j.neuron.2007.10.004)
"Introdução
O objetivo do presente estudo é examinar sucintamente como elementos fundamentais da cultura humana, como leitura e aritmética, são mapeados em nível cortical. Nos últimos 20 anos, métodos de imagem cerebral vêm produzindo grande quantidade de dados sobre como as competências culturais são representadas no cérebro do adulto e da criança. Aqui, não tentamos fornecer uma revisão exaustiva, e sim indagar como as relações entre as representações culturais e corticais deveriam ser teorizadas.
Ainda que tenham sido observados traços culturais em sociedades primatas não humanas (Whiten et al., 1999), apenas os seres humanos experimentam uma expansão maciça de seu nicho evolutivo através da invenção e da transmissão cultural. Por definição, objetos culturais como ferramentas ou sistemas de escrita são recentes, opcionais e adquiridos através da aprendizagem. Nenhuma pressão seletiva poderia ter levado o cérebro humano a facilitar a leitura ou a matemática superior.
A partir dessa premissa válida, diversos autores adiantaram-se até a conclusão de que a competência cultural da espécie humana deve ter surgido da nova emergência de uma capacidade de aprendizado flexível e de domínio geral. De fato, a hipótese está no fulcro do 'modelo padrão social de ciência' compartilhado por muitos antropólogos, sociólogos e alguns psicólogos (veja Barkow et al., 1992; e o cap. 2 de Pinker, 2002), assim como alguns neurocientistas que consideram a superfície cortical como 'amplamente equipotencial e isenta de estrutura específica de domínio' (Quartz & Sejnowski, 1997). A expansão cortical teria provido nossa espécie de mais espaço para 'instrução' através de seu ambiente cultural. O Homo sapiens, portanto, não mais deveria suas principais disposições à sua arquitetura biológica. Graças à plasticidade, o cérebro humano, mais do que o de qualquer outra espécie, seria capaz de absorver essencialmente qualquer forma de cultura. Assim, não seria desprovido de sentido, ou uma forma de 'erro categórico', investigar as circunscrições corticais dos traços culturais.
Como variação desse ponto de vista, argumentamos que os principais domínios da variabilidade cultural humana - incluindo a escrita e a aritmética - estão estreitamente circunscritos por nossa evolução anterior e organização cerebral. Em todas as culturas, esses domínios do conhecimento são cartografados sobre estruturas cerebrais notavelmente invariantes, que podem muito bem ser chamadas de 'mapas culturais', com apenas pequenas variações interculturais. Nós propomos que a paradoxal invariabilidade dos mapas culturais possa ser resolvida examinando-se como surgem através de transformações mínimas a partir de mapas de precursores corticais presentes em outros primatas não humanos".
Outros artigos de interesse:
Language Evolution as Cultural Evolution: How Language Is Shaped by the Brain
Nick Chater & Morten Christiansen 2009
University College London & Cornell University
Is linguistics a natural science?
Jan Koster 2005
University of Gröningen
The archeology of cognitive evolution
Iain Davidson 2010
University of New England (AU)
Prefrontal cortex and the evolution of symbolic reference
Andreas Nieder 2009
Institute of Neurobiology, University of Tuebingen
Este é um assunto fascinante, já que reporta a questões como nature/nurture, precursores morfogenéticos e epigenéticos (do artigo: "Que precursores evolutivos poderiam explicar a notável consistência da localização e organização cortical do processamento ortográfico entre as culturas?"), implementação/fixação de leitura, escrita e cálculo numérico em crianças, e assim por diante. Dehaene e Cohen sugerem que os casos mais interessantes de reciclagem neuronal cultural se referem à extensão das habilidades cerebrais humanas em uma direção radicalmente nova, não antecipada pela evolução, mas sim tornada possível através de uma inventividade cultural que explora inteligentemente nossos circuitos corticais. Leia abaixo a tradução da Introdução do artigo.
Cultural Recycling of Cortical Maps
Stanislas Dehaene & Laurent Cohen 2007
(DOI 10.1016/j.neuron.2007.10.004)
"Introdução
O objetivo do presente estudo é examinar sucintamente como elementos fundamentais da cultura humana, como leitura e aritmética, são mapeados em nível cortical. Nos últimos 20 anos, métodos de imagem cerebral vêm produzindo grande quantidade de dados sobre como as competências culturais são representadas no cérebro do adulto e da criança. Aqui, não tentamos fornecer uma revisão exaustiva, e sim indagar como as relações entre as representações culturais e corticais deveriam ser teorizadas.
Ainda que tenham sido observados traços culturais em sociedades primatas não humanas (Whiten et al., 1999), apenas os seres humanos experimentam uma expansão maciça de seu nicho evolutivo através da invenção e da transmissão cultural. Por definição, objetos culturais como ferramentas ou sistemas de escrita são recentes, opcionais e adquiridos através da aprendizagem. Nenhuma pressão seletiva poderia ter levado o cérebro humano a facilitar a leitura ou a matemática superior.
A partir dessa premissa válida, diversos autores adiantaram-se até a conclusão de que a competência cultural da espécie humana deve ter surgido da nova emergência de uma capacidade de aprendizado flexível e de domínio geral. De fato, a hipótese está no fulcro do 'modelo padrão social de ciência' compartilhado por muitos antropólogos, sociólogos e alguns psicólogos (veja Barkow et al., 1992; e o cap. 2 de Pinker, 2002), assim como alguns neurocientistas que consideram a superfície cortical como 'amplamente equipotencial e isenta de estrutura específica de domínio' (Quartz & Sejnowski, 1997). A expansão cortical teria provido nossa espécie de mais espaço para 'instrução' através de seu ambiente cultural. O Homo sapiens, portanto, não mais deveria suas principais disposições à sua arquitetura biológica. Graças à plasticidade, o cérebro humano, mais do que o de qualquer outra espécie, seria capaz de absorver essencialmente qualquer forma de cultura. Assim, não seria desprovido de sentido, ou uma forma de 'erro categórico', investigar as circunscrições corticais dos traços culturais.
Como variação desse ponto de vista, argumentamos que os principais domínios da variabilidade cultural humana - incluindo a escrita e a aritmética - estão estreitamente circunscritos por nossa evolução anterior e organização cerebral. Em todas as culturas, esses domínios do conhecimento são cartografados sobre estruturas cerebrais notavelmente invariantes, que podem muito bem ser chamadas de 'mapas culturais', com apenas pequenas variações interculturais. Nós propomos que a paradoxal invariabilidade dos mapas culturais possa ser resolvida examinando-se como surgem através de transformações mínimas a partir de mapas de precursores corticais presentes em outros primatas não humanos".
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