Ao ler um artigo sobre o assunto, achei interessante que o pesquisador dissesse com todas as letras que o mecanismo de ação da ECT (electroconvulsive therapy) no combate à depressão não é de todo conhecido. A aplicação da ECT é indubitavelmente benéfica nesse caso, mas por que? Temos (os leigos) uma encenação mental de uma sessão de ECT que poderia fazer parte de um filme de terror, mas pelas descrições que tive oportunidade de ler, a coisa é bem mais suave (ressaltando que 'choque no cérebro dos outros é refresco').
O artigo que despertou minha curiosidade foi comentado no blog Neuroskeptic: Saturday, 5 June 2010 Monoamine Shock - "A terapia eletroconvulsiva (ECT) é um tratamento áspero mas eficaz para a depressão. Consiste em aplicar uma curta corrente alternada no cérebro para induzir uma convulsão generalizada, que quase sempre dura menos do que meio minuto. (...) A ECT é ministrada tipicamente três vezes por semana, e doze sessões são o suficiente para promover uma melhora dramática na maioria dos casos. Entretanto, o modo como ela funciona permanece inteiramente misterioso". Há algum tempo são feitas pesquisas sobre isso, e encontrei um artigo que traz uma pesquisa sobre diversas correntes:
Theories on Mechanism of Action of Electroconvulsive Therapy
Sandeep Grover, Surendra Kumar Mattoo & Nitin Gupta 2005
Abstract. A terapia eletroconvulsiva (ECT) é um modo útil mas ainda controvertido de tratamento. A despeito de ser conhecida há mais de 70 anos, seu mecanismo de ação (MOA - mechanism of action) ainda não está claramente compreendido. Várias teorias sobre o MOA da ECT foram propostas através dos anos. Elas incluiam observar mecanismos psicológicos, neurofisiológicos, neuroquímicos, endócrinos e dos neuropeptídeos. Aqui, faz-se uma tentativa de revisar a literatura existente sobre o MOA da ECT numa perspectiva histórica. Diversas teorias são discutidas no contexto das evidências de pesquisas pré-clínicas e clínicas, enfatizando questões metodológicas e observando a relevância de cada teoria. Resumindo, não uma teoria isolada que explique satisfatoriamente o MOA da ECT em diversas doenças psiquiátricas. A necessidade de estudos pré-clínicos e clínicos éticos e bem projetados é acentuada (German J Psychiatry 2005; 8: 70-84).
Parece que o objetivo geral do artigo do Neuroskeptic é divulgar que aparentemente a ECT não age diminuindo o nível das monoaminas. Explica o Neuroskeptic:
"As monoaminas são uma classe de neurotransmissores: serotonina, dopamina e noradrenalina. Estão envolvidas em vários aspectos da mood (humor, estado de espírito, etc.), ainda que o quadro seja bastante complicado, e quase todos os antidepressivos visam uma ou mais monoaminas".
Em minha humilde opinião, a amostragem do artigo de Cassidy et al. (n = 9) não convence, mas quem sabe dá pro gasto? De qualquer modo (isto é, monoaminas ou não), A ECT é patentemente eficaz, e em 2003 o journal The Lancet já tinha publicado o artigo abaixo, uma revisão sistemática e uma meta-análise da eficácia e segurança da terapia eletroconvulsiva em distúrbios depressivos:
Efficacy and safety of electroconvulsive therapy in depressive disorders: a systematic review and meta-analysis
The Lancet, Volume 361, Issue 9360, Pages 799 - 808, 8 March 2003
Do qual, consta no Summary:
Resultados
A meta-análise dos dados da eficácia de curto prazo para experimentos controlados aleatorizados foi possível. A ECT real foi significativamente mais eficaz do que a ECT simulada (seis experimentos, 256 pacientes, amplitude do efeito padronizado (SES) - 0,91, 95% CI -1,27 a -0,54). O tratamento com ECT foi significativamente mais eficaz do que a farmacoterapia (18 experimentos, 1144 participantes, SES −0,80, 95% CI −1,29 a −0,29). A ECT bilateral foi mais eficaz do que a ECT unipolar (22 experimentos, 1408 participantes, SES −0,32, 95% CI −0,46 to −0,19).
Interpretação
A ECT é um tratamento eficaz de curto prazo para a depressão, e provavelmente é mais eficaz do que a terapia com medicamentos. A ECT bilateral é moderadamente mais eficaz do que a ECT unilateral, e a ECT de alta dosagem é mais eficaz do que a ECT de baixa dosagem.
Talvez por ser apenas um leigo interessado, e não um terapeuta profissional, achei bastante significativa uma intervenção do Neuroskeptic nos Comentários:
"As recaídas quase sempre duram apenas algumas horas, porque ingerir algum alimento fornece proteínas que recuperam as monoaminas. Não li ou ouvi falar de qualquer recaída prolongada. Alguns pacientes dizem que é uma experiência positiva porque ajuda-os a aceitar que sua depressão é 'biológica'".
Em momentos de bonança, o deprimido deve achar aquilo tudo, well... deprimente. Não ter controle sobre seu humor, estado de espírito, e imagino que alguns se sintam até culpados, como se fosse alguma coisa psicológica que eles não conseguem dominar. Conhecer top-down esse fenômeno enquanto evento biológico é uma mão na roda.
A fonte dessa informação toda, diz o Neuroskeptic, vem do artigo:
Acute tryptophan depletion as a model of depressive relapse: behavioural specificity and ethical considerations.
Booij L, van der Does AJ, Haffmans PM, Spinhoven P, McNally RJ.
Br J Psychiatry. 2005 Aug;187:148-54
(do qual ainda não consegui o link)
Mais um artigo que pode ser útil:
Neurocognitive Mechanisms in Depression: Implications for Treatment
Luke Clark, Samuel R. Chamberlain, and Barbara J. Sahakian 2009
University of Cambridge