Mais um texto acerca do endereço físico da consciência. Sempre achei que a consciência, como a linguagem, não é uma 'coisa' que se localize em algum lugar. Ray Tallis dá seu recado: leia a tradução de uma parte de seu artigo na revista New Scientist.
You won't find consciousness in the brain
07 January 2010 by Ray Tallis
Muitas características da consciência também resistem à explicação neurológica. Considere a unidade da consciência. Posso relacionar entre si coisas que experimento em um dado instante (a pressão do assento sobre meu traseiro, o som do tráfego, meus pensamentos) como elementos de um momento isolado. Pesquisadores tentaram explicar essa unidade, invocando coerência quântica (os microtúbulos citoesqueletais de Stuart Hameroff, da University of Arizona, e de Roger Penrose, da University of Oxford), os campos eletromagnéticos (Johnjoe McFadden, University of Surrey), ou as descargas rítmicas do cérebro (do falecido Francis Crick).
Eles não são bem sucedidos porque supõem que uma unidade ou uniformidade objetiva de impulsos nervosos estaria subjetivamente disponível, o que, é claro, não vai acontecer. Isso explicaria ainda menos a unificação de entidades que, a um só tempo, são experimentadas como distintas. Meu campo sensorial é uma totalidade de multicamadas que também mantém sua multiplicidade. Não há nada na convergência ou na coerência das vias neurais que nos forneça essa 'mistura sem amálgama', essa capacidade de ver as coisas tanto em sua totalidade como distintamente.
E temos um problema insuperável com relação ao sentido de passado e futuro. Considere a memória. Tipicamente, é vista como 'sendo armazenada' sob a forma de efeitos da experiência que deixam modificações duradouras, por exemplo, nas propriedades das sinapses e, consequentemente, nos circuitos do sistema nervoso. Mas quando eu 'me lembro', tento explicitamente alcançar a partir do presente algo que é explicitamente passado. Uma sinapse, sendo uma estrutura física, não possui nada além de seu estado atual. Ela não se estende, como fazemos eu e você, corrente acima: dos efeitos da experiência até a experiência que ocasionou os efeitos. Em outras palavras, o sentido do passado não pode existir em um sistema físico. Isto é consistente com o fato de que a física do tempo não permite conjugações: Einstein chamou a distinção entre passado, presente e futuro de 'ilusão teimosamente persistente'.
Também existem problemas com as noções do eu (self), com a deflagração de uma ação e com o livre arbítrio. Alguns neurofilósofos tratam dessas coisas negando sua existência, mas uma descrição da consciência que não possa encontrar uma base para a atividade voluntária ou para o sentido do eu não deveria concluir que essas coisas são irreais, mas que a neurociência, no mínimo, fornece uma explicação incompleta da consciência.
Mais alguma coisa sobre Ray Tallis:
Raymond Tallis: a Head for Heights: Doctor, Researcher, Philosopher, Critic, Raymond Tallis Has Achieved Enough to Fill a Dozen Careers, by Nicholas Fearn. Independent 11th April 2008.
Ray Tallis: 'At 15 I Was A Biochemical Materialist': John Crace Meets the Irrepressible Geriatrician Who Has Long Wrestled with the Nature of Consciousness. Guardian 3rd June 2008.
You won't find consciousness in the brain
07 January 2010 by Ray Tallis
Muitas características da consciência também resistem à explicação neurológica. Considere a unidade da consciência. Posso relacionar entre si coisas que experimento em um dado instante (a pressão do assento sobre meu traseiro, o som do tráfego, meus pensamentos) como elementos de um momento isolado. Pesquisadores tentaram explicar essa unidade, invocando coerência quântica (os microtúbulos citoesqueletais de Stuart Hameroff, da University of Arizona, e de Roger Penrose, da University of Oxford), os campos eletromagnéticos (Johnjoe McFadden, University of Surrey), ou as descargas rítmicas do cérebro (do falecido Francis Crick).
Eles não são bem sucedidos porque supõem que uma unidade ou uniformidade objetiva de impulsos nervosos estaria subjetivamente disponível, o que, é claro, não vai acontecer. Isso explicaria ainda menos a unificação de entidades que, a um só tempo, são experimentadas como distintas. Meu campo sensorial é uma totalidade de multicamadas que também mantém sua multiplicidade. Não há nada na convergência ou na coerência das vias neurais que nos forneça essa 'mistura sem amálgama', essa capacidade de ver as coisas tanto em sua totalidade como distintamente.
E temos um problema insuperável com relação ao sentido de passado e futuro. Considere a memória. Tipicamente, é vista como 'sendo armazenada' sob a forma de efeitos da experiência que deixam modificações duradouras, por exemplo, nas propriedades das sinapses e, consequentemente, nos circuitos do sistema nervoso. Mas quando eu 'me lembro', tento explicitamente alcançar a partir do presente algo que é explicitamente passado. Uma sinapse, sendo uma estrutura física, não possui nada além de seu estado atual. Ela não se estende, como fazemos eu e você, corrente acima: dos efeitos da experiência até a experiência que ocasionou os efeitos. Em outras palavras, o sentido do passado não pode existir em um sistema físico. Isto é consistente com o fato de que a física do tempo não permite conjugações: Einstein chamou a distinção entre passado, presente e futuro de 'ilusão teimosamente persistente'.
Também existem problemas com as noções do eu (self), com a deflagração de uma ação e com o livre arbítrio. Alguns neurofilósofos tratam dessas coisas negando sua existência, mas uma descrição da consciência que não possa encontrar uma base para a atividade voluntária ou para o sentido do eu não deveria concluir que essas coisas são irreais, mas que a neurociência, no mínimo, fornece uma explicação incompleta da consciência.
Mais alguma coisa sobre Ray Tallis:
Raymond Tallis: a Head for Heights: Doctor, Researcher, Philosopher, Critic, Raymond Tallis Has Achieved Enough to Fill a Dozen Careers, by Nicholas Fearn. Independent 11th April 2008.
Ray Tallis: 'At 15 I Was A Biochemical Materialist': John Crace Meets the Irrepressible Geriatrician Who Has Long Wrestled with the Nature of Consciousness. Guardian 3rd June 2008.