Foi com essa expressão que alguém do saudoso jornal O Pasquim satirizou a falsa profundidade e a “apelação” epistemológica de algum picareta da época. Sempre que leio algo que relaciona cérebro e física quântica, por algum motivo lembro-me dela. Como se o feijão-com-arroz da neurociência já não fosse bastante complicado, alguns autores ainda querem reeditar as sandices pósmodernistas que pensei terem sido dedetizadas pela devastadora crítica do físico americano Alan Sokal e de seu colega francês Jean Bricmont no livro Imposturas Intelectuais.
Um físico americano, que tem um blog onde se identifica como ZapperZ, cita o grande físico (e Nobel, por seu trabalho com física quântica) Richard Feynman: “Você pode saber o nome de uma ave em todas as línguas do mundo, mas quando conseguir saber você não vai saber absolutamente nada sobre a ave. Então, vamos olhar para a ave e ver o que ela está fazendo - é isso que conta. Aprendi bem cedo a diferença entre saber o nome de alguma coisa e conhecer alguma coisa”. E prossegue ZapperZ: “Isto é uma clara ilustração do que acontece, especialmente em mecânica quântica, quando as pessoas aprendem superficialmente sobre as coisas (isto é, ‘sabem o nome’) sem compreenderem a física de base. As pessoas bastardizaram coisas como ‘quantum entanglement’ simplesmente lendo artigos de ciência popular sem mesmo entender como essas coisas são”. Outra afirmação famosa de Feynman é um caveat para os picaretas: “Acho que posso dizer com segurança que ninguém entende de mecânica quântica”.
Piero Scaruffi, historiador cultural italiano, foi diretor do Artificial Intelligence Center da Olivetti na Califórnia de 1987 a 1991. Durante essa época, ele idealizou e administrou projetos de sistemas baseados em conhecimento, de redes neurais e de compreensão da linguagem natural, em colaboração com a Stanford University, a Yale University, o Caltech e o SRI. Continuou sua pesquisa em inteligência artificial e ciência cognitiva no mundo acadêmico (com períodos como professor visitante do MIT e da Stanford University), conduzindo posteriormente pesquisas independentes em ciência cognitiva que resultaram nos livros Thinking About Thought (2003) e The Nature of Consciousness (2006), além de palestras em diversas instituições acadêmicas (em três continentes, diz Scaruffi). Analisando um livro anterior de Globus, diz Scaruffi:
“Este livro (The Postmodern Brain, de 1995) do psiquiatra americano Gordon Globus é por demais confuso, e mal vale a pena lê-lo (a maior parte dele é essa coisa que dá péssima reputação aos filósofos), mas se v. fizer uma tediosa revisita à controvérsia da Inteligência Artificial, Globus levanta questões importantes que merecem ser resumidas. Globus reúne pósmodernismo e ciência neural (ou melhor, a dinâmica não-linear dos processos neurais). O pósmodernismo odeia a distinção entre sujeito e objeto, acredita em fluxo constante, favorece o caos em detrimento da ordem e acha que a verdade é impossível.
A teoria computacional da mente (o cérebro é um computador) vai contra os princípios do pósmodernismo. Globus então resolveu desconstruir a teoria computacional da mente. Ele prefere a visão de que o cérebro é um sistema auto-organizado que executa sua própria sintonia fina em face de fluxos de energia. Desta contínua interação com o mundo externo resultam estados cerebrais, além das repetidas modificações caóticas que ocorrem no cérebro.Esta é a definição de Globus para ‘cognição’.
Globus vê similaridades óbvias entre o ‘Dasein’ situado de Heidegger e as redes neurais auto-organizadas, e entre a ‘différance’ de Derrida e o comportamento das redes neurais. Dado que estes dois conceitos filosóficos estão entre os mais vagos já concebidos por filósofos (ao passo que as redes neurais são entidades matemáticas), Globus poderia muito bem ter encontrado similaridades com estações de metrô ou com supermodelos. Sua suposição básica, de que os sistemas dinâmicos não-lineares podem emular a mente, ao passo que os computadores não podem, não são justificadas pelas teorias filosóficas do pósmodernismo, são apenas tomadas como verdade absoluta. (...) Por todo o livro, por outro lado, somos brindados com afirmações científicas como ‘a morte é a cessação da polaridade’.(...) Mas Globus entendeu tudo errado: o conexionismo (a ciência das redes neurais auto-organizadas) não é de modo nenhum anti-racional (e requer muito mais matemática complexa do que a ciência tradicional da computação). É apenas a negação do pósmodernismo”.
Foi mais ou menos nisso tudo que escrevi e transcrevi acima é que pensei ao ler as cucurbitáceas da editoria sobre o livro de Globus: “A maior parte das abordagens da neurociência orientadas para o quântico visam entender os processos físicos que estão na base da consciência. Esta linha de pesquisa foi seguida por autores como Umezawa, Yasue, e recentemente Vitiello. O livro de Vitiello, My Double Unveilled: The Dissipative Quantum Model of Brain (2001), revelou um correlato físico oculto da experiência consciente ao deduzir as características reduplicantes do cérebro do campo quântico teórico através dos aspectos não-lineares da teoria de termocampo de Umezawa. Agora, Gordon Globus, em seu novo livro Quantum Closures and Disclosures, levou a neurofísica um decisivo passo além: ele quebrou o domínio monopolístico da própria consciência sobre as teorias quânticas da mente”.
I.n.a.c.r.e.d.i.t.á.v.e.l. O troço agora passa se chamar “A Weltanschauung Quântica de Jackson do Pandeiro. Liga não, Jackson, dorme em paz ...
Nota: se algum leitor estiver se perguntando como é que o CL&M foi escolher logo Piero Scaruffi para auxiliar na tarefa de analisar Globus, a resposta é que eu já conhecia Scaruffi de outros carnavais (e bota carnaval nisso): ele tem um site excelente de música, além de ser autor de A History of Rock and Dance Music (2009), History of Jazz Music 1900-2000 (2007), A History of Popular Music before Rock Music (2007), A History of Rock Music (2003) e A Guide to Avantgarde Music (1991, ainda na Itália).
Gordon Globus
Quantum Closures and Disclosures: Thinking-Together Postphenomenology and Quantum Brain Dynamics
John Benjamins Publications 2003 Pages: 244 PDF 1.17 MB
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