Em Ten Dispatches about Place, publicado na revista Orion (julho/agosto de 2007), John Berger é político, existencial, poético e radicalmente triste. Ou melhor, todos nós é que passamos a ser tristes até os ossos. Estamos agora “na latitude e longitude corretas, a hora local e a moeda corrente são essas, mas isso não tem a gravidade específica do destino escolhido”. Estamos a uma distância incalculável do lugar onde gostaríamos de estar. Nem temos como saber onde seria isso, daí o desespero. Mas sociologia tem hora: “Todo mês, milhões deixam sua terra natal. Vão embora porque não há nada lá, exceto tudo que têm e são, o que não é o bastante para alimentar seus filhos. Certa vez foi. Esta é a pobreza do novo capitalismo”.
A poética existencial radicalmente triste agora é um filme de horror: “Após longas e terríveis jornadas, depois de terem experimentado as baixezas das quais os outros são capazes, depois de terem passado a confiar apenas em sua incomparável e teimosa coragem, os emigrantes se vêem esperando em alguma estação ferroviária estrangeira, e nessa hora tudo o que sobrou de seu continente pátrio são eles mesmos, suas mãos, seus olhos, seus pés, ombros, corpos, o que vestem e o que puxam sobre a cabeça à noite, para dormir, por falta de um telhado”.
Berger insiste na Real Politik, na geografia econômica: “Há mais de trinta anos, Guy Debord escreveu profeticamente: a acumulação de produtos fabricados em massa para o espaço abstrato do mercado, assim como despedaçou todas as barreiras regionais e legais, e todas as restrições corporativas da Idade Média que mantinham a qualidade da produção artesanal, também destruiu a autonomia e a qualidade dos lugares.”
Ora, direis, Berger é um sonhador retrógrado, um “romântico”. Nada mais longínquo da realidade. “O termo chave do caos global de hoje é a des-localização ou re-localização. Isto não só se refere à prática de mudar a produção para onde a mão de obra for mais barata e os regulamentos mínimos. Também abriga o sonho estrangeiro e demente do novo poder constituído: o sonho de minar o status e a confiança em todos os lugares fixos, de modo que o mundo inteiro se torne um único mercado fluido. O consumidor é essencialmente alguém que se sente perdido, ou que é levado a se sentir perdido, a menos que esteja consumindo. Nomes de marcas e logotipos tornaram-se os nomes locais de Lugar Nenhum”.
Nesse texto cuja conclusão cirúrgica está nas primeiras duas linhas (“Nunca anteriormente a devastação causada pela procura do lucro, enquanto definido pelo capitalismo, foi tão extensa quanto atualmente. Quase todo mundo sabe disso”), Berger também tem algo a dizer sobre o tempo: “O Lugar Nenhum gera uma consciência estranha – porque sem precedentes – do tempo. O tempo digital. Ele segue ininterrupto para sempre através dos dias e das noites, das estações, do nascimento e da morte. Tão indiferente quanto o dinheiro. Entretanto, ainda que contínuo, é completamente único. É o tempo do presente mantido afastado do passado e do futuro”. Vou acabar reescrevendo o texto de Berger, que só tem seis páginas...
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