sexta-feira, 17 de julho de 2009

As Cartas Amorosas de Scarlatti


Este CD precisa ser ouvido de peito aberto: é uma reunião de excelentes artistas dando tudo de si na interpretação de um autor sobre o qual pouco se sabe (e, portanto, não é “turbulento” como Beethoven, “retraído” como Brahms, “mau-caráter” como Wagner, etc.). Sua vida pessoal quase não existe para nós, apenas uma episódica biografia “oficial”. A escassez é tanta que Malcolm Boyd escreveu em 1985 (The Musical Times, 126:1712): “É como se Domenico Scarlatti empregasse um agente secreto para remover todos os passos de sua carreira... e os correspondentes e diaristas contemporâneos não conseguiriam deixar de ser menos informativos, a menos que fizessem parte de uma conspiração de silêncio”. É significativo que de toda a sua correspondência pessoal só tenhamos uma carta remanescente. Daí a importância de uma boa interpretação musical.

W. Dean Sutcliffe diz mais sobre isso em seu livro sobre Scarlatti (The Keyboard Sonatas of DS and Eighteenth-Century Musical Style, 2003): “Na ausência de informações, as próprias sonatas tiveram que sustentar boa parte do peso interpretativo, uma situação feliz, pode-se dizer, na procura pela importância da obra do compositor. Na verdade, entretanto, frequentemente as sonatas foram usadas como evidências de traços de personalidade de uma descrição biográfica de Scarlatti, mais do que de uma descrição musical. Se voltarmos por um momento à questão das ideologias comparativas, provavelmente é justo dizer que a música há muito tempo investe mais de seu capital no retrato biográfico do que as outras artes. Uma idéia sobre a necessidade de um bom controle sobre as circunstâncias biográficas tem sido a de que elas nos dirão muito sobre a música que é produto daquela personalidade – quanto mais controlarmos a vida, mais precisamente poderemos julgar a obra. Dito assim, esta equação também parece simples demais para a efetivação de grande parte da atividade musicológica, seja aplicada a Scarlatti ou a qualquer outro compositor. A suposição de que a música é primariamente uma expressão da personalidade, da emoção, de que para entendermos a música precisamos entender o homem e suas circunstâncias particulares, está ligada historicamente à estética do século 19, mas é uma noção que mantém boa parte de sua força ainda na época atual”. (p. 2-3)

Domenico Scarlatti, para nós, é a sua música.

Uma “biografia” do Complesso Barocco (que é uma criação de seu regente e tecladista Alan Curtis), pode ser lida em http://www.bach-cantatas.com/Bio/ICB.htm. As informações sobre Patrizia Ciofi, soprano, e Anna Bonitatibus, mezzo-soprano, estão em seus próprios www.com.

Soube desse CD pelo excelente Sic Transit Opera Mundi (que v. não pode deixar de frequentar), e os links para as duas partes dessa obra são:
http://rapidshare.com/files/231206376/Scarlatti-LettereAmorose-ACurtis-CD_a_.rar
http://rapidshare.com/files/231206459/Scarlatti-LettereAmorose-ACurtis-CD_b_.rar