quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Tzvetan Todorov - Como defender o Iluminismo


A excelente revista eletrônica Eurozine publicou em 8 de fevereiro uma entrevista de Todorov feita com o filósofo inglês A. C. Grayling. A seriedade das questões abordadas nos lembra imediatamente que não podemos deixar de lado questões culturais que, sendo aparentemente apenas de interesse histórico, na verdade são básicas para a formação de uma concepção do mundo integrada com o desenvolvimento da cultura como um todo. O trecho da entrevista traduzido abaixo, analisando os limites da razão, nos leva aos limites 'geográficos' (ou ainda - cronológicos) entre Iluminismo e Romantismo, e mostra Todorov referindo-se à coexistência entre razão e paixão no cerne do Romantismo. É como se ele dissesse: não devemos reduzir o ser humano a categorias. Não deixe de ler a entrevista completa.

ACG: Hume e Kant escrevem sobre a razão. Achamos que o Iluminismo privilegiava a razão, mas para Hume e Kant a questão era: quais são os limites da razão? Hume era cético quanto à capacidade da razão para resolver nossos problemas da metafísica e de outros domínios. De fato, Kant também era assim. Para mim, esta é a razão pela qual tanto Hume como Kant são figuras centrais do Iluminismo, e, é claro, Kant é o autor do grande ensaio 'O que é o Iluminismo?' As pessoas perguntam: se eles são pensadores do Iluminismo, por que estão procurando os limites da razão? A resposta é que antes da revolução científica do século 17 e do Iluminismo, a fonte de conhecimento era a autoridade - a autoridade da deidade, da Bíblia, da Igreja. Se vamos exercer autoridade sobre a aquisição de conhecimento, temos que entender nosso instrumento. É por isso que precisamos de uma crítica de nossos poderes mentais. Veja Locke, também uma das principais figuras no estímulo do Iluminismo. Sua pergunta era: 'O que podemos saber? O quanto podemos saber?' Por isso é que uma característica distinta do Iluminismo é o exame da natureza e da extensão da razão. É importante notar isso porque há uma caricatura do Iluminismo que diz que a razão usurpa a sensibilidade ou o sentimento. Ela usurpa o papel que a emoção desempenha na formação de relacionamentos, na apreciação da beleza e no aspecto espiritual da vida. Torna tudo árido. Não enxerga a pérola, apenas a doença da ostra. Esta atitude está presente em Rousseau. Sua objeção aos philosophes era que eles sobre-privilegiavam a razão. O que os românticos encontram em Rousseau é a idéia de que o sentimento tem uma autoridade especial e é uma via para a verdade mais profunda e de maior alcance do que conseguem ser as investigações da razão. Por essa razão, talvez Rousseau seja mais uma figura do Romantismo do que do Iluminismo.

TT: Esta é uma linha muito interessante de análise da história, concordo. Acho que de fato a razão tem que ter um campo de ação limitado, e foi uma certa sabedoria dos pensadores do Iluminismo perceberem a razão dentro de seus limites. E existem duas perigosas caricaturas dessa posição. Uma é dizer que a razão apenas cria aridez, é muito seca e não entende nada. E a outra, que não é menos perigosa, é eliminar toda expressão não-discursiva do conhecimento, eliminar o lugar da arte, dos mitos, de todas as visões da imagem enquanto tais, que é um tipo diferente de conhecimento do mundo. De certo modo, acho que temos que ter cautela quanto aos dois perigos, às duas reduções. E é isto, de certa maneira, que eu gosto no Iluminismo e que tento levar ao leitor - que o Iluminismo foi esse complexo momento no qual as pessoas puderam lutar pela razão, de modo que a razão pudesse substituir a autoridade tradicional. Mas ao mesmo tempo, elas estão conscientes dos limites da razão. Ora, especificamente quanto a Rousseau e as paixões, acho que ele teve tantos seguidores por causa de certas páginas de sua obra. Mas ao mesmo tempo, livros como aqueles que mencionei - Discourses, Social Contract ou Emile - são monumentos de argumentação lógica. Então, em realidade, não se qualificam como ataques à razão. É verdade que em sua obra posterior, mais paranóica, ele pode ter desenvolvimentos desse tipo, e então seus herdeiros do Movimento Romântico podem ter seguido essa linha. Mas o Movimento Romântico não era um bloco isolado. Victor Hugo, para tomar uma grande figura francesa do Romantismo, defendia bastante a razão, ainda que tenha deixado lugar para as paixões. Se observarmos a literatura do século 18, o que deveríamos fazer porque os escritores eram a própria expressão da sensibilidade e da mentalidade da época, acho que encontraremos defensores tanto da paixão como da razão. Rousseau era talvez um defensor da paixão, ou Samuel Richardson. Mas ao mesmo tempo, a linha de Diderot e Laurence Stern não era na verdade uma dominação das paixões irracionais que dominavam os seres humanos. Eles eram bastante irônicos e conscientes de todas as armadilhas nas quais os seres humanos poderiam cair.
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Da internet: Tzvetan Todorov is a philosopher, theorist, and literary critic. Born in Sofia, Bulgaria, he has lived in France since 1963. Since 1968, he has been a researcher at the Centre National de la Recherche Scientifique, Paris, where he has been Directeur de recherche honoraire since 2005. He is author of numerous books, many of which have been translated into English, including The Poetics of Prose (1977), Introduction to Poetics (1981), The Conquest of America (1984), Mikhail Bakhtin: The Dialogical Principle (1984), Facing the Extreme: Moral Life in the Concentration Camps (1996), On Human Diversity (1993), Hope and Memory (2003), and Imperfect Garden: The Legacy of Humanism (2002), and The New World Disorder: Reflections of a European (2005). He is member of many scholarly organizations and recipient of numerous prizes, including the Prix Jean-Jacques Rousseau (1991), the Spinoza (2004), and the Prince of Asturias (2008).