terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A 'energia escura' do cérebro

The Brain's Dark Energy, by Marcus Raichle ( p. 44)

Esse artigo do grande Marcus Raichle na revista Scientific American de Março de 2010 (aqui ou aqui), é excelente e deveria estar na SciAm Mind. Veja no CL&M de 23 de outubro de 2008 o que faz Marcus Raichle nas horas vagas, quando não está fazendo churrasco no jardim nem brincando com seu cachorro. E leia uma parte do artigo de hoje, que traduzi abaixo:

"Imagine que v. está quase adormecendo em uma espreguiçadeira na varanda, com uma revista no colo. De repente, uma mosca pousa em seu braço. Você agarra a revista e tenta atingir o inseto. O que estava acontecendo em seu cérebro depois que a mosca aterrisou? O que estava acontecendo um pouquinho antes disso? Muitos neurocientistas supõem há tempos que a maior parte da atividade neural dentro de sua cabeça quando v. está em descanso combina-se com sua disposição descuidada e sonolenta. Nesse ponto de vista, a atividade do cérebro em descanso nada representa senão ruído aleatório, parecido com o 'chuvisco' do aparelho de TV quando fora de sintonia. Então, quando a mosca pousa em seu braço, o cérebro focaliza a tarefa consciente de destruir o inseto. Mas uma análise recente produzida com tecnologias de neuroimagem revelou algo bastante notável: grande volume de atividade significativa está ocorrendo no cérebro quando uma pessoa está recostada sem fazer nada.

Acontece que quando a mente está em descanso - quando v. está devaneando sossegadamente em uma cadeira, digamos, dormindo na cama ou anestesiado para uma cirurgia - áreas cerebrais dispersas estão conversando entre si. E a energia consumida por essa troca ativa de mensagens, que é conhecida como o modo default do cérebro, é vinte vezes maior do que a energia utilizada pelo cérebro quando reage conscientemente a uma mosca chatinha ou a outro estímulo exterior. De fato, a maior parte das coisas que fazemos conscientemente, seja sentar para jantar ou fazer um discurso, sinalizam um afastamento da atividade básica do modo default do cérebro.

Um achado importante para se entender o modo default do cérebro foi a descoberta de um sistema cerebral, até aqui desconhecido, que foi chamado de rede do sistema default do cérebro (DMN - default mode network). O papel exato da DMN na organização da atividade neural ainda está em estudo, mas ela pode orquestrar a maneira como o cérebro organiza as memórias e diversos sistemas que necessitam de preparação para eventos futuros: o sistema motor do cérebro tem que estar ligado e pronto quando v. sentir o toque de uma mosca pousando em seu braço. A DMN pode desempenhar um papel crítico na sincronização de todas as partes do cérebro, de modo que, como corredores em uma pista de competição, todas elas estejam no modo 'set' ('pronto') apropriado quando a arma que dá a partida disparar. Se a DMN prepara mesmo o cérebro para a atividade consciente, investigações sobre seu comportamento podem fornecer indícios quanto à natureza da experiência consciente. Além disso, os neurocientistas têm razões para suspeitar que rupturas na DMN podem tanto estar na base de erros mentais simples como em diversos distúrbios cerebrais complexos, da doença de Alzheimer à depressão"
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Ao se referir a uma 'energia escura' do cérebro, Raichle está fazendo um paralelo com a ainda desconhecida 'dark energy' que faz parte da composição do universo, e que em seu artigo, The Preposterous Universe, Sean Carroll assim descreve: "De toda a energia do universo, apenas uns 5% consistem de matéria conhecida - os tipos de partículas que examinamos em laboratórios. Uns 25% do universo são de matéria escura, presumivelmente algum tipo de partícula que detectamos apenas por causa de sua influência gravitacional em estrelas, gases e galáxias. Os 70% restantes são ainda mais misteriosos: alguma forma de energia escura que está distribuida uniformemente por todo o espaço e que evolui muito devagar, se é que evolui". (p. 9 do primeiro endereço abaixo [as 47 planilhas], e p. 1 do segundo arquivo).

http://insti.physics.sunysb.edu/yitp/conf/GR2005/talks/Carroll.pdf (47 planilhas)
http://preposterousuniverse.com/writings/skytel-mar05.pdf
Ou com bastante matemática:
http://supernova.lbl.gov/~evlinder/carroll.pdf