quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Scientific American Mind - Março/Abril de 2010


Esse número da revista (copie daqui ou daqui) está muito bom, e uma das atrações é o artigo de Christof Koch sobre optogenética (Playing the Body Electric, p. 17), que nos interessa porque mostra como hoje se pode intervir cada vez mais precisamente em nível neuronal. Koch descreve a paisagem:

Cada geração nova de astrônomos descobre que o universo é bem maior do que seus predecessores imaginavam. O mesmo é verdade quanto à complexidade do cérebro. As mais avançadas tecnologias de cada era, quando aplicadas ao estudo do cérebro, continuam a revelar mais camadas de complexidade aninhada, como um conjunto interminável de bonecas russas. Sabemos hoje que existem uns mil subtipos diferentes de neurônios e coadjuvantes - as células de glia e os astrócitos - no sistema nervoso. Cada tipo de célula é definido por seus constituintes químicos, sua morfologia neuronal, sua arquitetura sináptica e seu processamento de input-output.

Como se estuda isso: Tecnologias voltadas para o geral, como imagem funcional cerebral ou eletroencefalografia, identificam regiões cerebrais relacionadas a visão, dor ou memória. Mas não conseguem esclarecer detalhes no importantíssimo nível de circuito. A imagem cerebral investiga o consumo de energia de um milhão de neurônios, sem distinguir se eles são excitatórios ou inibitórios, se se projetam localmente ou globalmente, e assim por diante. Para fazermos progressos com relação à consciência, precisamos de algo drasticamente mais refinado.

A entrada da optogenética nessa empreitada vem do trabalho de três biofísicos alemães, e essa história é descrita assim: Em nosso socorro chega uma tecnologia admirável, uma fusão de biologia molecular com estimulação óptica chamada optogenética. Ela se baseia em algumas descobertas fundamentais feitas por três biofísicos alemães - Peter Hegemann, Ernst Bamberg e Georg Nagel - trabalhando em foto-receptores de bactérias antigas. Esses foto-receptores convertem a luz que chega da parte azul do espectro em um sinal elétrico positivo, excitatório. O trio também isolou o gene dessa proteína, chamada channelrhodopsin-2 (ChR2). Bamberg e Nagel, subsequentemente, iniciaram uma frutífera colaboração com Karl Deisseroth, professor de psiquiatria e bioengenharia da Stanford University, e com Edward S. Boyden, hoje no Massachusetts Institute of Technology.

Koch disse que esta é uma tecnologia admirável, e não exagerou: O grupo pegou o gene ChR2, inseriu nele um pequeno vírus, e infectou neurônios com esse vírus. Muitos dos neurônios adquiriram as instruções vindas de fora, sintetizaram a proteína ChR2 e inseriram os fotoreceptores em sua membrana. No escuro, os receptores ficavam quietinhos, sem qualquer efeito discernível em suas células hospedeiras. Mas a iluminação da rede com um flash curto (10 milissegundos) de luz azul faz com que cada um desses foto-receptores bacterianos agite um pouco sua célula hospedeira. Coletivamente, eles confiavel e repetidamente produzem uma spike (faísca) na voltagem da membrana. As spikes são os pulsos universais utilizados por todos os sistemas nervosos (menos os minúsculos) para comunicar informações entre os neurônios. Cada vez que a luz é ligada, as células faiscam confiavelmente, apenas uma vez. Desse modo, toda uma população de neurônios pode ser manipulada por ataques de luz cronometrados com precisão.

Esses troços elétricos têm que ser ligados e desligados, é claro. Os cientistas, então, fizeram o seguinte: Os biofísicos adicionaram outro foto-receptor às suas ferramentas. Ele deriva de um tipo diferente de bactéria, que vive nos lagos salgados do deserto de Sahara. Incidindo-se luz amarela sobre ela, é gerado um sinal negativo, inibitório. Através da mesma estratégia viral, os dois tipos de foto-receptores foram então introduzidos em neurônios. Uma vez que o neurônio incorpore estavelmente os dois tipos em sua membrana, ele pode ser excitado pela luz azul e sossegado pela amarela. Cada clarão azul evoca uma spike, como soa uma nota quando se pressiona uma tecla de piano. Mas um clarão simultâneo de luz amarela pode bloquear essa spike. Pense na 'partitura musical' registrada a partir de um tal neurônio como se ele fosse tocado por luz. Esta habilidade de controlar com precisão a atividade elétrica de um ou mais neurônios não tem precedentes.

Koch, depois, aborda seu assunto predileto: A importância da optogenética para a consciência é que ela permite que se teste uma hipótese específica sobre a base neural da consciência. Por exemplo, até onde o feedback de regiões corticais superiores é essencial para regiões inferiores? Descubra isso treinando um animal em uma tarefa que dependa da sensação consciente, e então desative esses elementos do circuito e observe o comportamento do animal.

Não deixe de ler o artigo todo (mas saiba que as ilustrações são fraquinhas).

Esse número também traz uma entrevista com Stanislas Dehaene. Ele diz basicamente o que já disse antes (veja nossas postagens de 20 de novembro de 2009 e 5 de dezembro de 2009)), mas acrescenta algumas formulações diferentes que ajudam a ampliar a compreensão do que ele vem investigando.

Outro assunto abordado é Aprendizagem, em seção especial.