sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Stephen Hawking ataca novamente

Michael Shermer, no site Big Questions Online, apresenta a 'filosofia radical da ciência', de Hawking & Leonard Mlodinow, cuja principal característica é sustentar que a realidade depende do modelo que utilizamos para abordá-la. Algumas coisas que o leitor vai processar da tradução a seguir já foram ventiladas antes, mas é sempre bom sacudir as ilusões para longe. Anyways, o que está aí (para cada um de nós) é apenas outro 'modelo', de acordo com o próprio Hawking. (Para ler o artigo inteiro, dirija-se ao link acima: vou pular uns pedacinhos).

Os modelos gerados por processos bioquímicos em nossos cérebros constituem a 'realidade'. Nenhum de nós pode estar completamente certo de que o mundo é realmente como nos aparece, ou se nossas mentes inconscientemente impuseram um padrão enganoso sobre os dados. Chamo isso de 'realismo dependente de crença'. Em meu livro que logo será lançado, The Believing Brain, eu demonstro as miríades de maneiras pelas quais nossos cérebros formam, influenciam e até controlam tudo em que pensamos, fazemos e dizemos sobre o mundo. O poder de acreditar é tão forte que tipicamente nós formamos primeiro nossas crenças, e depois elaboramos um fundamento lógico (rationale) para sustentar as crenças segundo os fatos. Afirmo que a única saída para essa armadilha epistemológica é a ciência. Ainda que possa conter falhas, porque é conduzida por cientistas que têm seu próprio conjunto de crenças para determinar sua realidade, a própria ciência tem um conjunto de métodos para sobrepujar as inclinações cognitivas que tanto prejudicam nossa compreensão da realidade que verdadeiramente existe no mundo.

De acordo com o cosmologista da University of Cambridge, Stephen Hawking, entretanto, nem mesmo a ciência pode nos afastar dessa dependência de crenças. Em seu novo livro, The Grand Design, em coautoria com o matemático do Caltech Leonard Mlodinow, Hawking apresenta uma filosofia da ciência que ele chama de 'realismo modelo-dependente', que se baseia na suposição de que nossos cérebros formam modelos do mundo a partir de inputs sensoriais, que utilizamos o modelo com sucesso para explicar os eventos e supomos que o modelo se ajusta à realidade (ainda que não o faça), e que quando mais de um modelo faz predições acertadas 'nós somos livres para escolher aquele que mais nos convier'. Ao empregar esse método, Hawking e Mlodinow afirmam que "não tem sentido indagar se um modelo é real, bastando indagar se ele concorda com a observação".

Por exemplo, em experimentos de física às vezes a luz age como partícula e às vezes como onda. Bem, qual das duas: partícula ou onda? A resposta depende do modelo de luz que v. utiliza. No famoso experimento da fenda dupla (veja uma explicação bem-feitinha em http://www.youtube.com/watch?v=lytd7B0WRM8 - em português), a luz é passada através de duas fendas e forma um padrão de interferência de ondas na superfície de fundo. Quando v. envia fótons de luz separados, um de cada vez, através de uma fenda, a luz age como partículas individuais. Mas quando v. dispara os fótons, um de cada vez, através de duas fendas, eles formam um padrão de interferência de onda, como se estivessem interagindo com outros fótons, ainda que não estejam... pelo menos não nesse universo!

Como isso é possível? Uma solução para o mistério é que os fótons estão interagindo com fótons de outros universos. Hawking e Mlodinow empregam o modelo desenvolvido por Richard Feynman chamado de 'soma de histórias'. no qual cada partícula do experimento da fenda dupla percorre todo caminho possível que puder, e assim interage com si mesma em suas diferentes histórias.

Então, qual é o modelo de luz que melhor se ajusta à realidade? De acordo com Hawking e Mlodinow, nenhum deles, ou todos eles. "Não há um conceito de realidade independente de quadro ou de teoria", concluem os cientistas. "Se existirem dois modelos e ambos concordarem com a observação, então não se pode dizer que um é mais real do que o outro. Pode-se usar o modelo que for mais conveniente para a situação sob consideração".

O realismo modelo-dependente argumenta que não existe posição privilegiada no universo - nenhum ponto arquimediano fora de nossos cérebros que possamos acessar para saber o que veradeiramente é a realidade.São apenas modelos. Não é possível entender a realidade sem ter algum modelo de realidade, e então estamos falando verdadeiramente de modelos, não de realidade. Existe uma maneira de contornarmos essa aparente armadilha epistemológica?

Existe. Chama-se ciência.

(...)

Hawking e Mlodinow argumentam que um modelo é bom se preencher quatro critérios:

- é elegante
- contém poucos elementos arbitrários ou ajustáveis
- concorda com todas as observações existentes e as explica
- faz predições detalhadas sobre observações futuras que possam contestar ou falsificar o modelo se não forem confirmadas

Enquanto historiador da ciência eu concluo que, de fato, quase todos os modelos científicos - em verdade, modelos de crença de toda sorte - podem ser examinados desse modo e, com o tempo, passarem a ser vistos como nem melhores nem piores do que outros modelos. A longo prazo, nós descartamos alguns modelos e mantemos outros com base em sua validade, confiabilidade, preditividade e ajuste à realidade. Sim, ainda que não haja um ponto arquimediano externo a nossos cérebros, acredito que exista uma realidade real e que podemos chegar perto de conhecê-la através das lentes da ciência - a despeito da imperfeição indestrutível de nossos cérebros, nossos modelos e nossas teorias.

Tal é a natureza da ciência, que é o que a distingue de todas as outras tradições epistemológicas.

Michael Shermer is the publisher of Skeptic magazine, a monthly columnist for Scientific American, and an adjunct professor at Claremont Graduate University. His books include The Science of Good and Evil, Why Darwin Matters, and The Mind of the Market. He can be reached at mshermer@skeptic.com