Em 1997, o matemático e neurocientista francês Stanislas Dehaene publicou seu livro “The Number Sense: How the Mind Creates Mathematics” (O Senso Numérico: Como a Mente Cria a Matemática) pela Editora Oxford, com 274 páginas. Em 2001, ele publicou no journal Mind and Language um précis do livro (em 26 páginas), “Précis of Number Sense”, que está em www.unicog.org/publications/Dehaene_PrecisNumberSense.pdf. A Editora Oxford publicou a seguinte introdução ao livro: “Dehaene, um matemático transformado em neuropsicólogo cognitivo, começa com a reveladora descoberta de que os animais, incluindo ratos, pombos, guaxinins e chimpanzés, podem desempenhar cálculos matemáticos simples. Ele prossegue descrevendo engenhosos experimentos que demonstram que os bebês humanos também têm um senso numérico rudimentar. Dehaene mostra que as habilidades dos animais e dos bebês em lidar com números pequenos e com cálculos aproximados persistem em adultos humanos e têm forte influência na maneira como representamos os números e fazemos cálculos mais complexos em períodos posteriores da vida. De acordo com Dehaene, foi a invenção dos sistemas simbólicos para escrever e falar sobre numerais que nos iniciou na escalada para a matemática superior. Ele traça a história cultural dos números e mostra como essa evolução cultural reflete as limitações que nossa arquitetura cerebral impõe sobre aprendizagem e memória. Dehaene também explora as habilidades singulares dos idiotas sábios e dos gênios da matemática, perguntando se explicações cognitivas simples podem ser encontradas para esses talentos excepcionais. Em uma seção final, são descritos os substratos cerebrais da aritmética. Encontramos pessoas cujas lesões cerebrais fazem com que percam aspectos altamente específicos de suas habilidades numéricas – de fato, um homem que acha que dois mais dois são três! Esses dados sobre lesões combinam bem com resultados de técnicas modernas de tomografia (PET, MRI e EEG), para auxiliar a identificar os circuitos cerebrais que codificam números. Das diferenças entre os sexos até os prós e contras das calculadoreas eletrônicas, a adequação da metáfora cérebro-computador, ou as interações entre nossas representações de espaço e de número, Dehaene chega a muitas conclusões provocativas que intrigarão todos aqueles interessados na matemática ou na mente”.
Downloaded at Birth (“Baixado” ao Nascer) New York Times, 8 de fevereiro de 1998
Um estudo diz que os humanos podem contar antes que possam falar.
Por Steven Rose
Steven Rose é neurobiólogo, professor de biologia e diretor do Brain and Behaviour Group (The Open University), autor de Lifelines: Biology Beyond Determinism; The Making Of Memory, co-autor de Not in Your Genes e editor de From Brains To Consciousness.
"Você sabia que 111 x 111 = 12.321, enquanto que 1.111 x 1.111 = 1.234.321? Você entende porque? Você se importa? Se essas simetrias o deixam curioso, você já está apaixonado por números, e vai ficar encantado com o livro de Stanislas Dehaene. Se, como o matemático hindu Ramanujan, em seu leito de morte, você puder achar o número 1.729 ‘cativante’ porque ‘é o menor número que pode ser expressado de duas maneiras diferentes com uma soma de dois cubos (1 ao cubo + 12 ao cubo e 10 ao cubo + 9 ao cubo), você ou é um gênio da matemática ou profundamente autista. Se tais devaneios numéricos o deixam frio, você deveria ler “O Senso Numérico” por causa de suas ricas idéias em assuntos tão diversos como a apresentação cuneiforme dos números, por que a teoria dos estágios de Jean Piaget na aprendizagem de uma criança está errada, e para descobrir as regiões do cérebro envolvidas no senso numérico. Indo contra a teoria computacional da consciência, o físico e matemático Sir Roger Penrose afirma que os humanos têm uma compreensão intuitiva da matemática, mesmo de teoremas matemáticos. Dehaene, um matemático transformado em neuropsicólogo cognitivo, compartilha das suspeitas de Penrose sobre a afirmativa de que a mente e o cérebro são supercomputadores, mas onde Penrose argumenta com uma afirmativa, como se a intuição matemática fosse auto-evidente, Dehaene constrói sua tese a partir de ricas e variadas de evidências – culturais, psicológicas e biológicas. Ao mesmo tempo que Penrose acredita que a matemática é alguma coisa que está ‘lá fora’ na natureza, Dehaene, como indica seu subtítulo, vê o senso numérico e tudo que o acompanha como algo criado pela mente e pelo cérebro. Demonstrou-se experimentalmente que muitos animais não humanos têm um senso numérico. Os mamíferos e as aves podem distinguir um, dois, três, quatro, ou muitos. Isso aparentemente surpreende alguns psicólogos experimentais. Como biólogo, não vejo por que deveria; se você não pode distinguir e classificar os objetos à sua volta, é improvável que sobreviva por tempo suficiente para se reproduzir. Mesmo organismos unicelulares têm relógios internos que estimam a passagem do tempo. E os genes que fazem parte dessa máquina celular de contagem nas moscas de fruta têm seus homólogos em mamíferos. O próprio cérebro se comunica através de códigos numéricos. As células nervosas (neurônios) transportam mensagens através de pulsos elétricos que passam pela fibra nervosa (o axônio) até que alcançam a junção com o próximo neurônio ou um efetor como um músculo. Ali elas liberam pequenos pacotes de transmissor químico que disparam a resposta da próxima célula. Essa resposta depende da freqüência dos pulsos elétricos e da quantidade de transmissor liberada. Assim, contar é uma característica embutida no trabalho do cérebro – muito mais fundamental do que a linguagem. Nem é surpreendente que bebês muito jovens possam chegar a um ponto: registrando interesse quando um único objeto é subitamente substituido por dois ou dois por três. A teoria de Piaget do desenvolvimento cognitivo, que por boa parte desse século dominou a prática educacional da Europa, afirmava que as crianças só atingem o ‘estágio’ da compreensão numérica muito mais tarde. Dehaene mostra que Piaget estava enganado. É auto-evidente o fato de que a capacidade de manipular símbolos numéricos depende de processos cerebrais. Mas até recentemente a única maneira de explorar tais processos era estudando as circunstâncias nas quais as pessoas perdiam seu senso numérico como resultado de um dano cerebral. Dehaene discute alguns indivíduos que ele próprio examinou. Um deles, por exemplo, pode prontamente se lembrar de cadeias de números como 1, 2, 3, 4 mas não consegue somar 2 + 2 ou decidir se 6 é maior ou menor do que 8. Os neurologistas descrevem isso como ‘acalculia’, e procuram por falhas no cérebro que possam tê-la causado.Mas há um problema com tal frenologia. Suponha que você remova um transistor de um rádio, e como resultado ele emita um uivo em lugar de uma sinfonia; você não pode concluir que o transistor funciona como um supressor de uivos. Antes, você está mensurando a capacidade do restante da circuitagem sem o transistor. Igualmente ao tentar inferir a localização da função cerebral estudando cérebros danificados. Novos métodos de imagem cerebral – tomografias PET, imagens de ressonância magnética funcional e magnetoencefalografia (que mede diminutas flutuações dos campos magnéticos em volta da cabeça) – fornecem janelas não invasivas para o cérebro em funcionamento, não danificado, e Dehaene descreve alguns experimentos (não há muitos livros que incluam como ilustração uma tomografia cerebral do autor) para identificar regiões do cérebro envolvidas em cálculos. Muitas regiões diferentes estão engajadas mesmo nos cálculos mais simples. O cérebro é um sistema integrado, coerente, não uma coleção de módulos independentes.Então, talvez as habilidades aritméticas sejam mesmo inatas, e exista um ‘instinto numérico’ para combinar com o que os psicólogos chamam de ‘instinto da linguagem’? É aqui que a compreensão muito mais rica de Dehaene do entrelaçamento de cultura e biologia ajuda-o a evitar a armadilha determinista. Um senso numérico, demonstra ele, é formado fundamentalmente pela cultura e pelas tecnologias, as tecnologias cruciais sendo a invenção de palavras faladas e de símbolos escritos para os números. Hoje achamos natural a lógica dos numerais arábicos e, se lidarmos bastante com computadores, os símbolos binários de códigos de programação. Mas o sistema numérico arábico, incluindo o essencial zero, foi uma invenção. Com os (algarismos) arábicos, a adição, subtração, multiplicação e divisão ficam imediatamente aparentes. Mas tente subtrair o numeral romano XIV de LXXII ou, ainda pior, multiplicar os dois. Até o nome que damos a nossos números influenciam nossa compreensão deles (compare o quatre-vingt francês e o inglês 80 (eighty) quanto à facilidade de manipulação). Dehaene indica que a lógica lingüística superior da terminologia numérica chinesa permite a superior velocidade de cálculo mental apresentada por falantes chineses com relação àqueles que utilizam línguas européias. Tomografias cerebrais de pessoas nascidas em culturas matemáticas diferentes podem ajudar a revelar o que é fixo e o que é plástico em termos de desenvolvimento quanto ao nosso maquinário neuronal.Nosso senso e nosso uso dos números podem se apoiar nas propriedades básicas dos cérebros e até dos neurônios, mas eles se desenvolvem através do intercâmbio inextricável do biológico edo social. Então, e quanto aos idiotas sábios, os que calculam rápido como um raio e os gênios matemáticos sem tutoria, como Ramanujan? Dados tempo e esforço suficientes, afirma Dehaene, quase todo mundo pode fazer essas coisas, e ele mostra como. Se isso vai levar você também a achar 1.729 um número ‘cativante’, entretanto, tenho minhas dúvidas".