sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

A Origem dos Conceitos



O livro de Susan Carey, The Origin of Concepts, merece um comentário mais extenso. A mera transcrição das abobrinhas da editoria não poderia ser suficiente, e fui procurar opiniões acadêmicas sobre ele. Acho que a review de Nicholas Shea, da qual traduzo uns trechos abaixo e cujo endereço disponibilizo para que todos possam ler na íntegra, é uma boa escolha. Afinal, trata-se do livro daquela doutoranda que em 1972 entregou a seguinte tese: "Serão as crianças pequenos cientistas com teorias equivocadas sobre o mundo?"

Carey, S. (1972). Are children little scientists with false theories of the world? Unpublished Ph.D. dissertation, Harvard University.


New Concepts Can Be Learned
Review of The Origin of Concepts, by Susan Carey
Oxford: Oxford University Press, 2009
Biology & Philosophy, doi:10.1007/s10539-009-9187-5
Nicholas Shea
Faculty of Philosophy, University of Oxford

"O filósofo da mente que está convencido da relevância de resultados empíricos logo encontra um problema. Atraído por alguns estudos interessantes, a porta se abre para uma cacofonia de dados, como uma festa frenética a todo vapor. Há estudos demais por aí. Como se interrelacionam? E a que conclusão chegam? O jovem Darwin teve o mesmo problema: em The Origin of Concepts, Susan Carey vem em nosso socorro. Na tradição da outra Origin, o livro de Carey oferece uma teoria que transforma um aglomerado de dados em uma história coerente. (...)

Os filósofos conhecem bem o tormento que se disfarça como a argumentação de Fodor sobre o nativismo conceitual radical. (...) Ela tem uma parte teórica e uma parte empírica. A parte teórica afirma que todas as explicações computacionais ou psicológicas da aprendizagem de uma nova representação devem começar com algumas representações como input, e que o máximo que essas explicações podem fornecer como output são representações elaboradas a partir daquelas fontes iniciais. A parte empírica observa que a maioria dos conceitos lexicais não são estruturados ou elaborados a partir de quaisquer outras representações. Eles são atomísticos. Desse modo, devem ser inatos - explicar sua aquisição está fora do pacote da ciência cognitiva, está além do poder explanatório até da ampla sequência de disciplinas que entraram no projeto.

É um desafio enorme, e a réplica de Carey não foi elaborada às pressas. Ela também tem uma parte teórica e uma parte empírica. A parte empírica consiste de décadas de cuidadosos estudos, cada um deles, se tomado isoladamente, podendo ser discutível, mas cuja combinação vem a ser uma demonstração decisiva de que realmente existem descontinuidades no desenvolvimento do repertório representacional humano. A parte teórica é uma engenhosa argumentação para demonstrar que a psicologia pode explicar tais transições. Carey nos oferece um mecanismo, o bootstrapping quiniano (Quinian bootstrapping - que está explicado a partir da p. 20 do livro), que dá surgimento a conceitos com poderes expressivos genuinamente novos. Dando uma explicação psicológica, quase computacional, do funcionamento desse mecanismo, Carey demonstra que tais explanações têm firme posição no pacote da ciência cognitiva. A combinação de idéia teórica e suporte empírico torna The Origin of Concepts um todo bastante satisfatório. Tomado apenas como obra de psicologia, é um valioso compêndio. Tomado apenas como obra filosófica, é uma importante contribuição para o debate principal. A notável conquista do livro é ser as duas coisas
".

Dito isso, e já iniciados pelo texto (completo) de Shea, vejamos o que dizem as notas da editoria:

"Apenas os seres humanos têm um rico repertório conceitual com conceitos como ofensa, entropia, grupo abeliano, maneirismo, ícone e desconstrução. Como os humanos elaboraram tais conceitos? E uma vez que tenham sido elaborados pelos adultos, como é que as crianças os adquirem? Ainda que se concentre primariamente na segunda questão, Susan Carey, em The Origin of Concepts, mostra que as respostas às duas questões se sobrepõem substancialmente.

Carey inicia caracterizando o ponto de partida inato do desenvolvimento conceitual, a saber, os sistemas de cognição básica. As representações da cognição básica são o output de analisadores de input dedicados, como nas reprsentações perceptuais, mas essas representações básicas diferem das reprsentações perceptuais por terem mais conteúdos abstratos e papéis funcionais mais ricos. Carey argumenta que a chave para entender o desenvolvimento cognitivo está no reconhecimento de descontinuidades conceituais nas quais emergem sistemas representacionais que têm mais poder expressivo do que a cognição básica, e que além disso não podem ser comparados com a cognição básica e outros sistemas representacionais iniciais. Finalmente, Carey dá corpo ao bootstrapping quiniano, um mecanismo de aprendizagem que tem sido repetidamente esboçado na literatura sobre a história e a filosofia da ciência. Ela demosntra que o bootstrapping quiniano é um importante mecanismo na elaboração de novos recursos representacionais no decurso do desenvolvimento cognitivo das crianças.

Carey mostra como a ciência cognitiva do desenvolvimento resolve aspectos de continuados debates filosóficos sobre existência, natureza, conteúdo e formato do conhecimento inato. Ela também mostra que a compreensão dos processos de desenvolvimento conceitual da criança ilumina o processo histórico através do qual são elaborados os conceitos, e transforma a maneira como pensamos sobre problemas filosóficos que tratam da da natureza dos conceitos e das relações entre linguagem e pensamento
".

The Origin of Concepts
Susan Carey
Oxford University Press 2009 608 pages PDF 3 MB
http://depositfiles.com/files/uq3ok2ufr