quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Modelo matemático de um circuito simples do cérebro de uma galinha levanta questões fundamentais

Esse artigo de 01.12.2009, escrito por Diana Lutz, é muito bom e bem escrito, cientifica e literariamente. Leia a tradução, e não deixe de ver as ilustrações no site original.

(PhysOrg.com) - O site Neuroanthropology pede aos visitantes que completem a frase: "Uma das dificuldades para entender o cérebro é......" Além das respostas bem-humoradas de sempre, como "poucos de nós parecem ter um", temos as mais sérias: "ele não é um computador" e os métodos disponíveis para estudá-lo "não são suficientemente precisos para distinguir como os mecanismos neurais se correlacionam com o comportamento".

Resumindo, é isso. Por um lado, há neurônios individuais cuja despolarização da membrana está na base de tudo e, por outro lado, temos a poesia lírica, os assassinatos em série e o cálculo diferencial e integral. No intervalo, existem centenas de bilhões de neurônios, com centenas de trilhões de conexões. Os cientistas entendem a parte "bottom" ("fundo" - os terminais nervosos, etc.) e podem dizer coisas úteis sobre a parte "top" ("topo" - o cérebro, o processamento, etc.), mas ir de um ponto ao outro é outra história.

Enquanto tentam, discutem continuamente e algumas vezes amargamente sobre níveis de abstração. Se um modelo do cérebro ou uma parte do cérebro não se presta a abstrações, é rapidamente hostilizado(a) por ser de complexidade ininteligível. Por outro lado, se leva a muita abstração, oferece poucas idéias sobre o órgão que deve representar.

Num trabalho publicado na edição online da Physical Review E, em 25 de novembro de 2009, biofísicos e físicos teóricos da Washington University, St. Louis, descrevem um elegante meio-termo. Eles idealizaram um modelo matemático simples que representa acuradamente um microcircuito tricelular do cérebro de uma galinha. Descobriram, então, para sua surpresa, que podiam redefinir matematicamente seu modelo até uma equação com dois parâmetros, que são derivados mas não são os mesmos em termos de força das conexões entre os neurônios (força sináptica) que os modelos neuronais enfatizam usualmente.

Essa exploração matemática faz surgir interessantes questões sobre o microcircuito vivo que há no pequeno crânio da galinha, por exemplo: em primeiro lugar, como é que o desenvolvimento embrionário cria seus circuitos? Ela talvez também possa explicar o que é difícil de entender com relação ao cérebro, através de medidas de potência de suas conexões sinápticas, em laboratório.

Estômago de lagostas e olhos de galinhas

Os neurocientistas tentaram todo tipo de diferentes combinações de fidelidade e de abstração em seus esforços para entender o cérebro, mas uma abordagem frutífera foi analisar um microcircuito consistindo de alguns neurônios cujas conexões totais podem ser seguidas.

Os microcircuitos que foram analisados dessa maneira incluem a rede que controla o ritmo de mastigação do estômago de uma lagosta (sim, ela tem dentes em seu estômago), o arco reflexo que permite que uma mosca de fruta escape de um mata-moscas e a rede de timing que controla o batimento cardíaco de uma sanguessuga medicinal.

Procurando uma maneira de explicar aos seus alunos da turma de Física Cerebral como é que um feedback retardado produz complexidade em um circuito, Ralf Wessel, PhD, professor adjunto de física do departamento de Artes e Ciências, trouxe-lhes um circuito neural de brinquedo simples o bastante para que suas iterações temporais pudessem ser registradas no quadro-negro. Ele usou-o para mostrar aos seus alunos que se existia feedback entre os neurônios, os inputs constantes simples podiam produzir uma oscilação de período longo em seus outputs.

Wessel pediu então a Matthew S. Caudill, PhD, assistente graduado de pesquisa em física, que criasse um modelo computadorizado do circuito para que este pudesse ser explorado mais profundamente. Enquanto trabalhavam com um neurocircuito de três neurônios, eles compreenderam que era muito semelhante àquele que os alunos de Wessel estavam estudando no laboratório de neurofisiologia.

Este circuito, que consiste de três neurônios e suas projeções de feedback, tem uma tarefa simples: detectar movimento no campo visual da galinha. Um neurônio da área chamada de tectum óptico, porque fica no "teto" do cérebro, envia axônios para outros em uma protuberância de tecido chamada nucleus isthmi. Os neurônios do isthmi enviam projeções de volta ao tectum óptico, seja diretamente para o neurônio do qual obtiveram seu input, ou de volta para o restante do tectum (os cruciais loops de feedback).

Existem microcircuitos similares nas áreas de processamento óptico dos cérebros de répteis e mamíferos.

O comportamento do microcircuito pode ser apreendido matematicamente através de três equações, e cada uma delas descreve o output de um neurônio em termos de seus inputs e de parâmetros chamados de pesos sinápticos, a maneira padronizada de expressar a potência da conexão entre dois neurônios. Olhando as equações, Wessel e Caudill reconheceram que elas poderiam ser reduzidas por substituição algébrica a uma equação com dois parâmetros (derivados dos cinco pesos sinápticos originais).

Diz Caudill: "É como se o sistema de três neurônios fosse reduzido a um neurônio abstrato que faz a mesma coisa, segue a mesma regra, que o circuito mais complicado".

[Como o modelo de circuito se reduziu a uma equação com dois parâmetros, os cientistas foram capazes de visualizar facilmente suas soluções. As soluções oscilatórias são apresentadas em azul e púrpura, as soluções de valor estável são brancas e as soluções divergentes, onde a atividade cresce com constância, são apresentadas em preto. O circuito provavelmente fica parado na região branca a maior parte do tempo, mas os fans (desenhos em forma de folhas de palma) de soluções periódicas também podem ser biologicamente úteis.]

Um Belo Espaço de Parâmetro

Esta foi uma saída elegante, porque todas as soluções possíveis de uma equação com dois parâmetros podem ser mapeadas em um plano - que é o que eles fizeram a seguir, com a ajuda de Zohar Nussinov, PhD, professor assistente de física de Artes e Ciências.

Quando o output do neurônio abstrato é mapeado no espaço de parâmetro, ele parece um peixe-anjo colorido nadando em um oceano preto.

"As regiões azuis mostram onde o output está oscilando, a grande região branca mostra onde ele acaba de chegar a um valor estável, e a região preta é onde o output diverge, ou aumenta estavelmente", diz Caudill. "Os fans são áreas onde o período de oscilação muda rapidamente de um ponto para o seguinte".

Se v. for aumentando o tamanho de visão (aproximação por zoom) dos fans, acrescenta Nussinov, o espaço de parâmetro revela mais estrutura. Cada vez que v. faz a aproximação por zoom, surge mais estrutura.

Mas o que isso quer dizer para a galinha? Por que um animal desejaria que um circuito fosse estável na maior parte do tempo e oscilasse em outros momentos?

Peixes com carga elétrica fraca, diz Wessel, têm redes neurais cujo output oscila em resposta aos estímulos que afetam todo o corpo do animal, mas é constante quando o peixe é tocado em um ponto (como pode acontecer com a barbatana de um predador). A mudança de output permite que o peixe distinga instantaneamente entre um toque global e um local.

Mas Wessel está mais interessado na maneira como o trabalho retirou ênfase dos pesos sinápticos individuais - até a ponto de sugerir que concentrar-se nesses pesos foi um obstáculo para entender a função cerebral.

"Imagine que v. é um embrião e que seu cérebro está crescendo, diz ele, e que os pesos sinápticos estão sendo estabelecidos. O cérebro não precisa estabelecer o peso sináptico para cada sinapse individual isoladamente. O que ele precisa estabelecer é a combinação de pesos". Mas ele acrescenta meio desanimado: "Mesmo que como é que ele deva fazer isso ainda não esteja muito claro".

A descoberta também sugere porque poderia ser difícil compreender os circuitos neurais em laboratório. Provavelmente os neurofisiologistas que estão investigando circuitos neurais através da inserção de eletrodos de vidro em um neurônio, estimulando-o e registrando a atividade elétrica de outro neurônio, estão surpresos com as variações fisiológicas de um animal para outro.

O microcircuito da galinha sugere que para entender um circuito neural eles teriam que medir combinações de pesos sinápticos. Mas a problema é que eles não podem saber quais deles devem ser medidos, a menos que já saibam a regra que é seguida pelo circuito.

O que os três cientistas, que simplificaram seu microcircuito até o equivalente a um neurônio, acham do projeto Blue Brain, uma tentativa financiada pelo governo suiço para criar um cérebro sintético através do método da força bruta com a simulação de mais ou menos um milhão de neurônios biologicamente reslistas com a ajuda de um supercomputador?

Wessel diz que talvez o microcircuito seja o peixe-palhaço cor-de laranja Marlin, e o Blue Brain seja o peixe-cirurgião azul (Teuthis caeruleus) Dory, e juntos estão procurando Nemo (referência ao desenho animado infantil): uma compreensão de como a consciência surge a partir da úmida massa de um quilo e meio de neurônios e células de glia que chamamos de cérebro.

Como se pode ver, Wessel tem filhos ainda pequenos.

(Provided by Washington University in St. Louis)

Visto isso, procure ler The cat is out of the bag: cortical simulations with 10^9 neurons, 10^13 synapses, de Steven K. Esser, Horst D. Simon e Dharmendra S. Mohda, publicado nos Proceedings of the Conference on High Performance Computing Networking, Storage and Analysis, de novembro de 2009, cujo abstract aqui está:

In the quest for cognitive computing, we have built a massively parallel cortical simulator, C2, that incorporates a number of innovations in computation, memory, and communication. Using C2 on LLNL's Dawn Blue Gene/P supercomputer with 147, 456 CPUs and 144 TB of main memory, we report two cortical simulations -- at unprecedented scale -- that effectively saturate the entire memory capacity and refresh it at least every simulated second. The first simulation consists of 1.6 billion neurons and 8.87 trillion synapses with experimentally-measured gray matter thalamocortical connectivity. The second simulation has 900 million neurons and 9 trillion synapses with probabilistic connectivity. We demonstrate nearly perfect weak scaling and attractive strong scaling. The simulations, which incorporate phenomenological spiking neurons, individual learning synapses, axonal delays, and dynamic synaptic channels, exceed the scale of the cat cortex, marking the dawn of a new era in the scale of cortical simulations.

Uma atração à parte são algumas referências desse artigo, que trazem trabalhos semelhantes e evidenciam que a procura por simulação e reprodução da atividade neuronal tem recebido bastante atenção, e que diversos campos científicos estão envolvidos (inteligência artificial, computação, neurofisiologia, física do cérebro, etc.). Eis alguns exemplos:

R. Ananthanarayanan and D. S. Modha. Anatomy of a cortical simulator. In Supercomputing 07, 2007
M. Djurfeldt, M. Lundqvist, C. Johanssen, M. Rehn, O. Ekeberg, and A. Lansner. Brain-scale simulation of the neocortex on the ibm blue gene/l supercomputer. IBM Journal of Research and Development, 52(1--2):31--42, 2007.
E. M. Izhikevich and G. M. Edelman. Large-scale model of mammalian thalamocortical systems. PNAS, 105:3593--3598, 2008.