sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Como é ser inconsciente?


(À esquerda, Thomas Nagel)
Em seu blog Mind and Brains, Gary Williams apresenta seu artigo What is it like to be unconscious? - mais um produto direto da linha inaugurada por Thomas Nagel em 1974 com What is it like to be a bat? (Como é ser um morcego?), que começa com a famosa frase "É a consciência que torna intratável o problema mente-corpo". Trinta e cinco anos depois, o problema continua intratável... Temos Laurence BonJour (University of Washington) com What is it like to be a human?, Lucas J. Matthews (University of Cincinnati) com What is it like to be a dualist?, Aaron Sloman (School of Computer Science, The University of Birmingham com What is it like to be a rock?, e assim por diante (é só pesquisar no google: há exemplos para borboleta, aranha, gays e lésbicas, extremista muçulmano, mãe de família, byte, baleia, geólogo, freira, judeu em Quito, e assim por diante).

Numa postagem anterior, coloquei inadvertidamente Paul Bloom como autor do artigo de Nagel, mas não me preocupei em corrigir porque o original de Nagel é muito conhecido (e porque me dei conta repentinamente que tinha errado muitos dias depois, dentro de um ônibus, e resolvi deixar prá lá). Ocorre que achei esse artigo de Gary Williams razoavelmente interessante, e vou traduzir abaixo sua postagem (auto-promoção, diz ele), juntamente com um pequeno excerto.

Self-promotion: What Is It Like To Be Unconscious?
December 2, 2009
Tags: cognition, concept of consciousness, consciousness, Gibson, Heidegger, Julian Jaynes, perception
Já que venho postando desavergonhadamente meu último paper por toda a Internet para reunir comentários sobre ele, resolvi colocar também em meu blog. Estou bastante animado com esse artigo. Acho mesmo que é meu trabalho mais bem finalizado e mais analítico até hoje, e ele também traz uma perspectiva profundamente heideggeriana juntamente com a teoria ecológica gibsoniana e andaimes cognitivos clarksianos. A idéia central é que Julian Jaynes foi o pensador mais radicalmente heideggeriano do século 20, argumentando, com evidências tanto filosóficas como empíricas, que as formas cartesianas da auto-consciência não são necessárias no trato diário do comportamento pragmático habitual. Como diz Heidegger, a constituição da revelação (disclosure) perceptiva básica do Dasein humano permenece sempre "exterior" (outside). Em outras palavras, o espaço representacional interno das teorias cartesianas da mente é a ficção de um filósofo.

Será? A despeito de sua crítica devastadora da filosofia cartesiana da mente, Heidegger admite que existe um sentido no qual o conceito mente-espaço cartesiano é real, mas não em termos de ser um continente mental para bits representacionais de qualia sensoriais como quer a psicologia cartesiana. Em minha seção favorita de Ser e Tempo (Care and Selfhood), Heidegger chama a ênfase cartesiano-kantiana na mente de Estrutura-I ou Ichheit. Ainda que Heidegger admita a realidade fenomenológica dessa operação executiva, a diferença com Descartes e Kant está em que Heidegger não supõe que o Eu esteja constantemente presente e disponível e seja ontologicamente fundamentador (foundational) para a revelação perceptiva. Ao invés, os eus e suas operações são raros, passageiros, mas reais. O Dasein humano está sempre oscilando entre os hábitos inconscientes de lidar (com a realidade) do Eles-eu e da autenticidade auto-idêntica da Ichheit, isto é, a mente-espaço cartesiana e a Eu-dade kantiana. Entretanto, retirando a Eu-dade da fundamentação ontológica nós podemos explicar o comportamento orgânico sem recorrer a um internalismo representacional, que supõe a presença constante do Olho da Mente (uma mera construção cultural) para se enxergar o "túnel" da realidade construído pelas rotinas perceptivas sub-pessoais. Em lugar disso, "o Dasein que sabe, permanece exterior enquanto Dasein".
De qualquer modo, aqui está o parágrafo introdutório do meu artigo. Aproveite, e por favor sinta-se à vontade para fazer algum comentário crítico.
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Nesse estudo eu quis responder à afirmativa de Ned Block de que é simplesmente "ridículo" supor que a consciência é uma construção (construction) cultural. Ao fazer isso, argumentarei que se pode fazer uma distinção entre como-é-ser um animal não humano e a fenomenalidade dos humanos adultos médios. De acordo com essa distinção, argumentarei que Block está errado ao descartar as teorias construtivistas sociais da consciência porque é simplesmente "cômico" que a experiência na primeira-pessoa seja nada mais do que um aspecto biológico básico de nossa herança animal, caracterizada pela experiência sensorial e tendo evoluído lentamente através de milhões de anos. Com a defesa do construtivismo social, afirmo que pode-se fazer uma distinção entre a experiência biológica básica de animais não humanos e a consciência que constitui a experiência de um adulto humano médio. Em outras palavras, há mais coisas com relação à consciência fenomênica do que a percepção biológica bruta do mundo. Seguindo Julian Jaynes, argumentarei que estar em um estado mental consciente significa mais do que apenas experimentar como as coisas parecem, cheiram ou são ao tato. Experimentar o mundo conscientemente significa experimentá-lo (e a você mesmo) em termos de certos filtros conceituais. Será a tarefa desse trabalho descobrir como se compõem esses filtros e argumentar que é apenas à luz desses filtros que a experiência humana deve ser considerada "consciente". Ao fazer isso, remeto-me à plausibilidade das culturas humnas inconscientes e concluo, contra Block, que tais "zumbis culturais" são inteiramente plausíveis com base em conhecidos fatos psicológicos. Essencialmente, tais zumbis teriam um como-é-ser ao mesmo tempo em que lhes faltasse a própria consciência. Demonstrar isso será como responder a questão, "Como é ser inconsciente?" Fazendo isso, darei uma resposta jaynesiana à questão, "Como é ser consciente?"

Leia o restante em:
Gary Williams (Louisiana State University)
What Is It Like To Be Unconscious?