Matthew Perpetua, do Fluxblog, não escuta música acidentalmente, incidentalmente. Isso é para seres humanos amadores, que os há muitos. Ele está a jogo, não a passeio. Pode-se entender isso na leitura de sua crítica da música Life and How to Live It, do R.E.M., que traduzo na íntegra. A própria música não é grande coisa, mas a alquimia com o olhar inteligente de Perpetua a transforma.
July 14th, 2010 7:10am
Air Quicken Tension Building Inference Suddenly
R.E.M. “Life and How to Live It”
1. O som de abertura da guitarra de “Life and How To Live It” é como um estopim aceso queimando em câmera lenta. O fogo queima o rastilho gradualmente, e quando a música começa de verdade na marca dos 30 segundos - KA-BOOM.
2. A frase de abertura é “burn bright through the night" (brilhando intensamente através da noite), que pode ajudar a explicar porque só consigo imaginar essa música em termos de luz quente contrastada com total escuridão. Além da imagem do estopim, sempre associei “Life and How To Live It" a uma feira do interior ou a um parque de diversões à noite. Não faço a menor idéia de como isso surgiu na minha cabeça - alguns de vocês podem se lembrar que tenho uma interpretação similar mas um pouco mais literal de “Carnival Of Sorts” - mas ela está lá e provavelmente nunca irá embora.
3. A primeira vez que vi o R.E.M. apresentar essa música foi no Madison Square Garden, em 2003. Foi a primeira música do encore (CLM - a parte final de uma apresentação, quando os músicos atendem aos aplausos demorados e tocam mais alguma coisa; também chamada de 'bis'). Lembro-me das luzes se extinguindo e de um pulso de luz estroboscópica enquanto Peter Buck começava a música. Não sei bem se foi assim mesmo, mas é assim que me lembro com o olho da mente. Quando penso nesse momento, vejo tudo em preto e branco. Não percebi imediatamente que Peter estava tocando, e nunca me ocorreu que a música pudesse estar na lista da programação. Fiquei estatelado.
4. “Life and How To Live It” se revela ao vivo. Fica mais doidona, mas rápida e mais catártica. Os momentos da música que soam eufóricos na gravação de estúdio soam absolutamente desligados na apresentação ao vivo. Enquanto a versão da música em Fables of the Reconstruction simula competentemente o estado maníaco do protagonista perturbado da música, sua encarnação ao vivo coloca a banda em uma abordagem metódica e que habita completamente a loucura extásica dele.
5. “Life and How To Live It” se baseia na história verdadeira de Brev Mekis, um esquizofrênico de Athens (Athens, Georgia (Clarke County)) que dividiu sua casa em duas partes, cada uma delas com um conjunto totalmente diferente de mobília, livros, roupas, bicho de estimação, etc. Ele morava em um dos lados um pouco, e depois mudava-se para o outro, e depois trocava de novo (CLM - como está no link, ao se mudar de uma parte da casa para a outra, Mekis tirava toda a roupa e se vestia de novo no outro lado). Depois que ele morreu, descobriu-se que ele tinha algumas centenas de cópias de um livro que ele tinha escrito explicando sua filosofia, e publicado por ele mesmo, escondidas em um dos lados da casa. O livro se chamava Life: How To Live (Vida: Como viver).
6. A maioria das músicas de Fables of the Reconstruction tratam de homens mais velhos e desconhecíveis que de alguma maneira se retiram do mundo à sua volta. Ainda que outras músicas descrevam a ação de um homem olhando de fora para dentro, “Life and How To Live It” foi composta na perspectiva da personagem. Duvido que isso tenha sido uma decisão deliberada, mas faz sentido que Michael tenha sintonizado a compartimentalização radical que Mekis fez de sua vida. De maneira bem óbvia, o estilo de vida de Mekis é mais ou menos análogo ao de um músico viajante - o tempo se divide em duas maneiras distintas de viver, cada uma delas acentuando um estado diferente de ânimo. Em última análise, os dois lados se retroalimentam, sem dúvida dando à pessoa uma experiência de vida mais rica e variada. (Certamente há alguma coisa a se discutir se a música reflete a confusão sexual de Michael quando jovem, e a casa intencionalmente dividida representa a vida dentro e fora do 'armário').
7. Ajuda um pouco pensar o arranjo da música no contexto de sua letra: Michael está cantando sobre um homem que está correndo prá lá e prá cá e berrando à medida que uma estrutura está sendo construída. Bill Berry estabelece as fundações da estrutura e mantém tudo coeso à medida que a intervenção de Peter lhe dá substância, cor e forma. A parte de Mike Mills no baixo é o elemento mais dinâmico - ele corre, escala e pula em volta e através da forma da música, como se representasse o estado frenético de Mekis à medida que sua visão de uma vida ideal tomasse forma diante de seus olhos. As linhas do baixo de Mills são cruciais para o sucesso dessa composição, e são essenciais para seu estado de ânimo de constante movimento e júbilo desvairados.
8. Todos os membros da banda têm pelo menos um momento da música no qual suas respectivas contribuições parecem sobressair dos limites da composição. (Como exemplo, pense na maneira como a guitarra de Peter parece vibrar dramaticamente no refrão). Isto é brilhante, não apenas porque se aplica a uma musiquinha ridiculamente excitante, mas porque dá a cada um dos músicos uma oportunidade canalizar a alegre loucura da personagem. Para uma música sobre um sujeito bizarro e solitário, não há sequer um traço de alienação ou de condenação em “Life and How To Live It”. Na verdade, todos os aspectos da música respeitam a visão distorcida da personagem e se lançam livremente na criatividade, no prazer e numa fé inabalável.