domingo, 15 de novembro de 2009

The mirror neuron system


Topei com um artigo de Cattaneo & Rizzolatti (Arch Neurol. 2009;66(5):557-560) chamado The Mirror Neuron System, onde eles começam afirmando:

"Os neurônios espelho são uma classe de neurônios, originalmente descobertos no córtex prémotor de macacos, que emitem descarga tanto quando os indivíduos desempenham um dado ato motor como quando observam outros desempenharem o mesmo ato motor. Amplas evidências demonstram a existência de uma rede cortical com as propriedades de neurônios espelho (sistema-espelho - mirror system) em humanos. O sistema-espelho humano está envolvido na compreensão das ações de outros e das intenções por trás delas, e situa-se na base dos mecanismos da aprendizagem por observação".

C&R prosseguem explicando que "Os neurônios espelho foram descritos pela primeira vez no setor F5 do córtex prémotor ventral do macaco. Esses neurônios, como a maioria dos neurônios de F5, emitem descarga em associação com movimentos que tenham uma meta específica (atos motores). Não disparam quando um macaco executa movimentos simples, isto é, durante o deslocamento ativo de uma parte do corpo desprovido de objetivo específico". Também ficamos sabendo que o papel funcional dos neurônios espelho parietais frontais é entender ações executadas por outros de maneira automática, isto é, comparando-as com o repertório motor do próprio macaco que faz a observação. Só que, dizem eles, os neurônios espelho parietais dirigidos para uma ação não só codificam o ato motor observado (por exemplo, pegar alguma coisa) como também o objetivo da ação observada. Daí, hipotetizou-se que essa organização fornece um substrato neural para se compreender a meta da ação observada toda, antes que esta esteja concluída.

Já tratando então de adultos humanos normais e saudáveis, o texto chega a uma descrição da aprendizagem e do aperfeiçoamento motores:

"A ativação do sistema-espelho também se relaciona à experiência motora que o observador tem de uma dada ação. Isto ficou claramente demonstrado em experimentos que utilizam passos de dança como estímulos observados. Primeiro, doi demonstrado que, no observador, a quantidade de ativação-espelho se correlacionava com o grau de sua habilidade motora para aquela ação. Outro experimento descartou a possibilidade de que esse efeito possa ser devido à mera familiaridade visual com os estímulos. A observação de passos particulares de dançarinos masculinos produziu uma ativação-espelho mais forte em dançarinos profissionais masculinos do que (aqueles passos particulares) executados por dançarinas do sexo feminino, e vice-versa. Um outro estudo prospectivo demonstrou que os dançarinos que inicialmente não tinham experiência com certos passos apresentavam um aumento da ativação-espelho se passavam por um período de treinamento motor no qual se tornassem hábeis na execução daqueles mesmos passos".

Ainda que C&R dirijam a atenção final de seu artigo para considerações clínicas, sua introdução teórica brevemente descrita acima é criticada in anteoccupatio pelo excelente artigo de Gregory Hickok, "Eight Problems for the Mirror Neuron Theory of Action Understanding in Monkeys and Humans". Como esse artigo está disponível no link indicado, deixo ao leitor especializado a tarefa de destrinchá-lo. Note o leitor que uma característica desse artigo de Hickok, além da clareza, é a fluência no uso de um vocabulário interdisciplinar que inclui neurociência, linguística, anatomia e fisiologia.

Agora vou tratar do assunto que me levou a isso tudo: quando comecei a jogar sinuca, diziam-me (acertadamente) que só se aprende direito jogando com quem sabe. Fazer isso não só é um exercício de humildade, porque você vai perder todas, como é um exemplo de ativação de um sistema-espelho (mirror neuron system). Para ser um craque, um perito, um expert, só com 10.000 horas de treinamento, como indica a literatura (por exemplo, Ericsson, K. A., R. Th. Krampe, and C. Tesch-Römer, 1993, ‘The role of deliberate practice in the acquisition of expert performance.’ *Psychological Review*, 100: 363-406; Malcolm Gladwell, The Outliers; Omahen DA. The 10,000-hour rule and residency training. CMAJ June 9, 2009;180(12):1272; e muitos outros). A veterinária americana Beth Davidow diz o seguinte: "Parece que o número de horas necessárias para se chegar ao status de especialista é de umas 10.000. Acho isso interessante por muitas razões. A primeira é pensar quanto tempo leva para se chegar a esse número. Se v. trabalha 40 horas por semana, 50 semanas por ano, isso dá umas 2000 horas anuais praticando seu negócio. Assim, se v. ficar no mesmo emprego, provavelmente, de modo realista, leva uns cinco anos para ser excepcional no que v. faz. Isso não se aplica se v. trabalhar por meio expediente, se tirar férias, se mudar de emprego ou de profissão. Lá no fundo, para mim faz sentido".

Tell me a lie: dá para jogar sinuca 40 horas por semana, 50 semanas por ano, durante cinco anos? Craro que não, Creide. Uma das ações atenuantes é v. ativar seu sistema-espelho enquanto joga: assim que fizer seu lance, preste bastante atenção no que o(s) seu(s) oponente(s) faz(em), se dá certo ou não, como foi feito, etc. Seu sistema-espelho e seus neurônios motores vão aprendendo e v. passa a jogar melhor, passando de "pangaré dendágua" a "esse cara até que joga direitinho".