quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Neurociência e Conhecimento Humano


Diz o próprio Changeux, na introdução do livro:

"Certamente não há nada de novo sobre a idéia de reunir fisiologia e filosofia. Os primeiros filósofos da antiga Grécia, notadamente Demócrito e Empédocles, achavam que apenas os princípios materiais eram dignos de serem considerados como princípios de todas as coisas. Mais próximo à nossa época, Spinoza afirmou que 'os homens julgam as coisas de acordo com a disposição de seu cérebro'. Henri Bergson chegou a sugerir que o conhecimento científico do cérebro poderia ter consequências positivas para a filosofia.

Precisamos voltar e reler Descartes, que permanece sendo a figura central dessa venerável aliança entre a filosofia e o que hoje é conhecido como ciências cognitivas. Na quarta parte do Discours de la Méthode (1637), ele indagou como somos capazes de decidir se nossas idéias são verdadeiras ou falsas: 'É bem fácil mostrar que os sonhos que imaginamos quando estamos adormecidos de modo nenhum deveriam nos fazer duvidar da verdade dos pensamentos que temos quando acordados. Porque no final, estejamos acordados ou adormecidos, temos que nos persuadir apenas através das evidências de nossa razão'. A segunda edição de L'Homme (1677) contém uma ilustração mostrando que as 'figuras' ou formas dos 'pequenos tubos através dos quais os espíritos animais entram' no cérebro diferem durante o estado de alerta, o sono e o sonho: 'A alma dotada de razão imediatamente pensa [nessas figuras] quando, unida a essa máquina, imagina ou percebe algum objeto'.

Em outro local, Descartes expressou a opinião de que, entre a res extensa e a res cogitans, surge uma 'unidade de composição, na medida em que ambas se encontram dentro do mesmo homem, como os ossos e a carne dentro do mesmo animal...'

'A distinção ou diferença que eu noto entre a natureza de uma coisa extensa e a de uma coisa pensada não me parece ser menor do que aquela existente entre osso e carne'. Advertido pelo Padre Mersenne sobre o julgamento de Galileu, ele nunca levou esta linha de raciocínio até sua conclusão lógica.

A Inquisição não existe mais, mas a questão proposta por Descartes não perdeu nem um pouco de sua complexidade. Os obstáculos que enfrentamos hoje têm a ver com a dificuldade da própria questão: pode-se demonstrar que a organização anatômica e os estados fisiológicos de atividade do cérebro estão causalmente relacionados às funções cognitivas superiores da mente e, em particular, à aquisição de conhecimento e ao teste de sua verdade ou falsidade? A despeito da natureza limitada das evidências científicas disponíveis hoje, ainda assim estamos em posição de formular os problemas que surgem na tentativa de explicar o pensamento humano em termos físicos com maior precisão do que jamais estivemos antes. Resolver estes problemas imensamente difíceis, ao mesmo tempo em que reconhecer francamente a natureza provisória de nossa compreensão atual, é hoje o maior desafio intelectual de nossa época".

Jean-Pierre Changeux, autor do clássico Neuronal Man, é diretor do Molecular Neurobiology Laboratory do Institut Pasteur de Paris, Professor do Collège de France, e membro da French Academy of Sciences.

The Physiology of Truth: Neuroscience and Human Knowledge
Jean-Pierre Changeux
Belknap Press of Harvard University Press 2009 336 pages PDF 1.63 MB
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