quinta-feira, 26 de maio de 2011

Por que os seres humanos raciocinam, questionam, argumentam?

Este título sinonímico aí está porque "reason", o verbo utilizado pelos autores, tem inúmeras traduções. A precisão de cada uma delas dependerá do contexto. Para "raciocinar", o dicionário Houaiss fornece:

1. fazer uso da razão para estabelecer relações entre (coisas e fatos)
2. apresentar razões; ponderar

e com essa acepção vou traduzir o abstract abaixo.

Why do humans reason? Arguments for an argumentative theory
Hugo Mercier

University of Pennsylvania, Philadelphia, PA 19104
Dan Sperber
Jean Nicod Institute (EHESS-ENS-CNRS), 75005 Paris, France
and Department of Philosophy, Central European University, Budapest, Hungary
(Publicação prévia de artigo a ser incluído na revista Behavioral and Brain Sciences.
Cambridge University Press, 2010)

Abstract: Em geral, considera-se que o raciocínio é um meio de aperfeiçoar o conhecimento e de tomar decisões melhores. Entretanto, muitas evidências demonstram que o raciocínio frequentemente leva a distorções epistêmicas e decisões não muito boas. Isto sugere que a função do raciocínio deve ser repensada. Nossa hipótese é que a função do raciocínio é argumentativa. Ele serve para criar e avaliar argumentos cuja finalidade é persuadir. Concebido dessa maneira o raciocínio é adaptativo, dada a excepcional dependência dos seres humanos com relação à comunicação e sua vulnerabilidade à informação errada. Grande quantidade de evidências na psicologia do raciocínio e da tomada de decisões podem ser reinterpretadas e mais bem explicadas à luz dessa hipótese. Um desempenho fraco em tarefas padronizadas de raciocínio explica-se pela ausência de contexto argumentativo. Quando os mesmos problemas são apresentados em um ambiente argumentativo apropriado as pessoas tornam-se hábeis argumentadoras. Entretanto, esses hábeis argumentadores não estão à procura da verdade e sim de argumentos que apoiem seus pontos de vista. Isto explica o notório "confirmation bias" (a tendência confirmativa). Essa tendência torna-se aparente não só quando as pessoas estão verdadeiramente discutindo, mas também quando estão raciocinando proativamente dado que devem defender suas opiniões ("proactive", segundo o OED: diz-se do efeito mental de uma situação prévia que está ativo em uma atividade subsequente, especialmente em teoria da aprendizagem). O raciocínio assim motivado pode distorcer avaliações e atitudes, além de permitir a persistência de crenças errôneas. O raciocínio utilizado proativamente também favorece decisões que são fáceis de justificar mas que não são necessariamente melhores. Em todas estas instâncias, tradicionalmente descritas como falhas ou defeitos, o raciocínio faz extamente o que se espera de um dispositivo de argumentação: procura argumentos que sustentem uma dada conclusão e, ceteris paribus, favoreçam conclusões para as quais possam ser encontrados argumentos.