quinta-feira, 3 de março de 2011

O ser humano 3.0

Em seu artigo (que, em seu blog, ele chama de "manifesto") The next giant leap in human evolution may not come from new fields like genetic engineering or artificial intelligence, but rather from appreciating our ancient brains (poderia ter um título melhorzinho...) (AQUI), Mark Changizi faz sua escolha sobre o futuro do ser humano enquanto tal, isto é, nossa próxima configuração evolutiva. E vai logo revelando: "O mecanismo misterioso da transformação humana é a reciclagem neuronal, (termo) cunhado pelo neurocientista Stanilas Dehaene, na qual as capacidades inatas do cérebro são reaproveitadas (NT - harnessed - dominadas e instrumentalizadas) em funções inteiramente novas".

E estende-se um pouco mais: "Já somos o Humano 2.0, não (mais) o Humano 1.0 - ou Homo sapiens - que a seleção natural engendrou. Nós Humanos 2.0 temos, entre outros poderes, três que são os mais importantes para definir o que somos hoje: a escrita, a fala e a música (sendo esta última o pináculo das artes, talvez). Mas estas três capacidades, ainda que tenham todas as marcas de um design (NT - um projeto elaborado por nós mesmos), não são resultado da seleção natural nem foram produzidas por engenharia genética ou pelo aprimoramento cibernético de nossos cérebros. Ao invés, como argumento em meus livros The Vision Revolution (2009) e Harnessed (a ser publicado), são poderes que adquirimos em virtude desse harnessing, ou reciclagem neuronal".

A disseminação social dessas novas características que irão criar o ser humano 3.0 em toda a sua glória é um problema que Changizi mal menciona, ao citar apenas que "Mesmo a escrita, durante séculos, foi utilizada apenas para registros religiosos e governamentais - e apenas recentemente é que o impacto da palavra escrita se expandiu a ponto de revolucionar a vida dos seres humanos comuns".

Quanto à fala, os linguistas que o digam: a diversidade morfológica das línguas terráqueas é um emaranhado que ainda não foi suficientemente deslindado. A música (ocidental) apenas recentemente (do Barroco até nossos dias) é que vem sendo sistematizada, e alguns de seus "falantes" (os músicos e compositores) ainda se esbarram belicosamente sobre a propriedade ou impropriedade do temperamento, uma polêmica dos séculos 17 e 18. O apogeu da música ocidental - a obra de Johann Sebastian Bach - caiu no esquecimento por quase dois séculos, até receber uma dose de memoriol por parte de um grupo de músicos modernos substancializados por Felix Mendelssohn (no início do século 19). A música clássica pós-Romântica ainda nem fixou suas estruturas no imaginário humano em geral, e cabe perguntar se esse dia chegará.

Changizi também não se dispõe a falar sobre nosso futuro cérebro - um assunto consideravelmente importante no contexto do harnessing. O aparecimento dos primeiros Homo sapiens, talvez há 400.000 anos (The Cambridge Encyclopedia of Human Evolution, p. 116) estabelece um hiato de quase a mesma amplitude entre o Homo 1.0 e o Homo 2.0 hipotetizados por Changizi. Profetizar o Homo 3.0 para daqui a pouco é uma temeridade, para dizer o mínimo.