segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Opening Up Brain Surgery


"Abrindo uma brecha na cirurgia cerebral" é o nome do artigo da revista eletrônica Nature, de 15 de outubro de 2009 (escrito por Alison Abbott). Essa "brecha" é aproveitar que um cérebro humano já está aberto e usar a oportunidade para pesquisas de neurociência, necessárias tanto para os próprios cirurgiões, que precisam evitar danos em áreas cognitivas importantes (por exemplo), como para pesquisadores, que passam a ter uma oportunidade única para mapear e interrelacionar áreas cerebrais que dão singularidade ao ser humano e suas habilidades especiais (por exemplo).

Não vou traduzir o artigo inteiro aqui no CL&M por três motivos: preguiça, não tenho permissão da Nature, e porque os destaques que pretendo expor a seguir já são o suficiente para esse humilde blog.


"Há dois anos, um importante vendedor de uma das principais empresas italianas de engenharia foi ao setor de emergências do Hospital San Matteo, em Pavia. Ele estava assustado. Podia pensar com clareza e podia mover sua mão normalmente, mas durante os últimos dias não tinha conseguido escrever. Os e-mails profissionais que ele tinha redigido, com total confiança, em seu computador não faziam qualquer sentido quando ele os relia. E descobriu que não conseguia escrever uma só palavra à mão.

Alguns testes feitos no hospital revelaram que ele estava aparentemente bem. Podia se expressar sem problemas, podia ler, soletrar palavras oralmente, letra por letra - e podia até desenhar objetos simples. Os médicos começaram a achar que deveriam chamar um psiquiatra. Mas quando uma tomografia do cérebro apresentou o que parecia ser um perqueno tumor, chamaram o neurocirurgião Lorenzo Magrassi. Ele imediatamente receitou alguns remédios para diminuir o inchaço, que pressionava áreas cerebrais vizinhas, e em alguns dias o paciente já podia escrever de novo.

Magrassi ficou intrigado. Ele nunca tinha ouvido falar de um caso semelhante de agrafia - a incapacidade de escrever. Desse modo, quando fez uma operação na semana seguinte para remover o tumor, fez também uma pequena pesquisa. O paciente, que estava totalmente de acordo, foi solicitado a falar enquanto Magrassi estimulava seu cérebro com um eletrodo. Também lhe deram papel e lápis para que escrevesse frases ditadas até que o cirurgião encontrasse o ponto exato que controlava a escrita.

As técnicas de Magrassi não eram novas: os neurocirurgiões frequentemente fazem estimulações em torno de um tumor ou de outros tecidos doentes que eles planejam remover, enquanto o paciente está alerta e é capaz de responder perguntas. Esse 'mapeamento cerebral funcional' lhes permite identificar as áreas, envolvidas na fala e em outras funções, que eles preferem não explorar com o bisturi. A novidade é a maneira como os neurocirurgiões estão utilizando essas técnicas para um mapeamento cerebral exploratório mais ousado, quase sempre em colaboração com cientistas de pesquisa básica. Em resumo, os cirurgiões têm uma oportunidade única para acessar e estimular o cérebro humano e, à medida que as tecnologias melhoram, mais cirurgiões começam a fazer uso delas.

'A neurocirurgia pode contribuir para a neurociência ao deixar entrever a mente, o que é uma rara brecha para o funcionamento do cérebro', diz o cirurgião Itzhak Fried, da University of California, Los Angeles. 'Podemos começar a investigar habilidades unicamente humanas'. Algumas dessas parcerias que estão surgindo investigam aspectos do ser humano - como a consciência ou a linguagem - que há muito tempo são do interesse dos neurocientistas e têm relevância prática para os neurocirgiões. Magrassi enfatiza que sua pesquisa não foi puramente experimental, e que tem aplicações em cirurgias futuras. 'Frequentemente é clinicamente importante preservar a escrita após uma cirurgia, como é importante preservar a fala, e precisamos entender quais as áreas que devem ser evitadas', diz ele. Ainda, a ciência do cérebro foi beneficiada".

Notamos imediatamente que Magrassi é um pragmático: se a escrita não estiver preservada após a cirurgia, quem vai assinar o cheque? O artigo segue informando que Magrassi vem pesquisando bastante e publicará oportunamente seus resultados, que se ocupam de teorias sobre o circuito neural da escrita (considerada por ele como a atividade humana por excelência): ela parece cooptar estruturas cerebrais de áreas envolvidas em linguagem, processamento visual e facilitação do movimento.

Depois disso o artigo descreve como são utilizados eletrodos implantados no cérebro para estudos e sondagens anteriores a implantações de estimuladores neurais e para tratamento da doença de Parkinson. Estende-se também acerca das pesquisas do neurocirurgião alemão Volker Sturm, que deseja tratar depressão, distúrbios obsessivocompulsivos e alcoolismo em associação com DBS (deep brain stimulation - estimulação cerebral profunda), um procedimento que envolve a colocação de eletrodos em uma pequena área do nucleus accumbens. Também são feitas pesquisas na região do córtex , e o artigo explica que "algumas formas particularmente brutais de epilepsia, que não respondem a tratamento com drogas, originam-se no córtex temporal medial e podem ser curadas através de remoção cirúrgica da área responsável. Os neurocirurgiões identificam o foco exato com a implantação de um punhado de eletrodos em volta do córtex temporal medial, e esperam que o paciente tenha um ataque espontâneo, quando então determinam a origem da atividade epilética".

Transcrevo agora mais uma parte interessante do final do artigo:

"Fried vem usando sistemas de eletrodos desde a década de 1970, e é reconhecidamente o pioneiro dessa técnica de pesquisa. Nos últimos cinco ou seis anos, avanços na análise dos dados permitiram que sinais frágeis e infrequentes fossem extraídos do ruído de neurônios individuais: esses são o tipo de sinal que animam aqueles interessados na consciência humana, porque refletem eventos raros ou sutís - tais como reconhecer o rosto de uma celebridade.

Rodrigo Quian Quiroga, um físico transformado em neurocientista, e um dos colaboradores de Fried, chegou às manchetes em 2005 ao anunciar que ele e seus colegas tinham descoberto o conceito do 'neurônio de Jennifer Anniston'. Quiroga veio para o California Institute of Technology (Caltech), em Pasadena, como estudante de pós-doutorado em 2001, principalmente pela oportunidade de fazer registros a partir de um só neurônio em pacientes com epilepsia que estavam sendo operados por Fried. Ele estava particularmente interessado em como o hipocampo humano, uma parte do lobo temporal medial, está envolvido no reconhecimento de pessoas ou objetos. O registro de 64 eletrodos individuais no cérebro pode gerar centenas de gigabytes de informação por dia, então Quiroga instituiu como sua primeira tarefa encontrar uma maneira melhor de fazer a escolha em meio a toneladas de dados. Ter uma formação em física foi bastante útil, e em 2003 ele tinha elaborado um elegante algoritmo que podia pesquisar em meio aos sinais elétricos misturados e identificar sem ambiguidade a ativação de neurônios individuais. Com uma só jogada, ele virou a mesa.

Ele pesquisou a questão do reconhecimento seguindo a atividade de neurônios individuais enquanto os pacientes observavam centenas de fotografias em seu laptop - da atriz Jennifer Anniston à Sydney Opera House. Tipicamente, cada neurônio se ativava para cada conceito, mas era de maneira bastante flexível: o neurônio de Jennifer Anniston disparava para diferentes fotografias da atriz, mas não de outras celebridades. Em alguns pacientes, neurônios de Jennifer Anniston disparavam também para outras atrizes de Friends, a popular série de televisão estrelada por ela. Mas eles nunca disparavam para outras atrizes de aparência similar mas com conexões diferentes. Quian Quiroga, agora na University of Leicester, UK, lembra-se de sua surpresa ao descobrir um neurônio individual de um paciente disparando em reação a ele (Quiroga), apesar de terem se visto pela primeira vez apenas alguns dias antes. Ele acabou demonstrando que esses neurônios se ativam apenas se os pacientes reconhecem conscientemente as fotografias, e que também se ativam se a pessoa ouvir o nome de alguém ou de um objeto.

'Esses neurônios do hipocampo codificam as informações de maneira bem abstrata, seja qual for o tipo de informação sensorial que leve a isso', diz Quiroga. 'Faz sentido, já que memórias de longo prazo são armazenadas como abstrações - Jennifer Anniston enquanto conceito - e temos tendência a não lembrar de detalhes, como a aparência de seu cabelo'. "

Depois de mais algumas considerações sobre epilepsia, o artigo retorna com Fried falando sobre memória:

"Fried diz que sua colaboração com Quiroga e outros permitiu que ele seguisse uma linha de pesquisa da memória. 'Tudo do que você se lembra conscientemente terá que ser processado no hipocampo', diz ele, acrescentando que tais estudos eventualmente poderão ser o guia de cirurgia de epilepsia no lobo temporal médio, 'onde as redes de memória às vezes se sobrepõem às redes de epilepsia'. Fried afirma que alguns neurocirurgiões imaginam se não seria pouco ético não fazer experiências, já que o pouco que se sabe sobre o cérebro está em suas mãos e dado que a oportunidade existe. O potencial para se aprender sobre a base neural do que é ser humano - para que isso possa ser preservado - é uma oportunidade que poucos querem deixar passar".