terça-feira, 27 de outubro de 2009

Estruturando percepção e consciência


Excelente artigo da revista eletrônica NewScientist (veja a versão print aqui), escrito por Douglas Fox, começa abordando o timing dos processos perceptivos humanos e pergunta se nossa percepção do mundo é contínua ou discreta. O neurocientista Rufin VanRullen, da University of Toulouse (França), afirma depois de efetuar experimentos: "A continuidade de nossa percepção é uma ilusão". O artigo descreve:

"O experimento fornece até um número para nossa taxa de quadros visuais - uns 13 quadros por segundo. Mas o que, dentro de nossos cérebros, estabelece essa taxa particular? Quando VanRullen mediu as ondas cerebrais dos sujeitos através de eletrodos de EEG no escalpo, descobriu um ritmo específico no lobo parietal inferior direito (RPL) - que normalmente é associado à nossa percepção de localização visual - que cresce e decresce na frequência certa. Pareceu plausível que à medida que essa onda de 13 hertz oscila, a receptividade do RLP à nova informação visual também oscila para cima e para baixo, levando a algo assemelhado a quadros visuais discretos".

Depois de algumas controvérsias apoiadas por diferentes experimentos, Douglas Fox prossegue:

"Isto implica que não há um rolo único de 'filme' no cérebro, mas diversos fluxos distintos, cada um registrando uma informação distinta. O que é mais, esta maneira de lidar com a informação recebida pode não se aplicar apenas à percepção de movimento. Outros processos cerebrais, como reconhecimento de objetos ou de sons, também podem ocorrer como se fossem pacotes discretos.

Para investigar isso, VanRullen examinou outra função neural, chamada de detecção de luminância limite. Ele expôs seus sujeitos a flashes de luz que mal podiam ser vistos, e descobriu que a probabilidade de que os sujeitos vissem a luz dependia da fase de outra onda na parte frontal do cérebro, que ascende e descende umas 7 vezes por segundo. Verificou-se que era mais provável que os sujeitos detectassem o flash quando a onda estivesse perto de sua cava (NT - oscilação mais baixa) e deixassem de vê-lo quando a onda estivesse em seu pico. O trabalho foi publicado no The Journal of Neuroscience no início desse ano. 'Há uma sucessão de períodos de percepção ON e OFF, A atenção coleta informações através de snapshots (NT - instantâneos fotográficos)', diz VanRullen".

A seguir vem uma das partes mais interessantes do artigo:

"Parece, então, que cada processo neural distinto que comanda nossa percepção pode ser registrado em seu próprio fluxo de quadros discretos. Mas como esses fluxos se reuniriam para nos fornecer uma visão consistente do mundo? Ernst Pöppel, neurocientista da Ludwig Maxmilian University, de Munich (Alemanha), sugere que todos os snapshots distintos dos sentidos podem criar blocos de informação em um fluxo superior de processamento. Ele chama esses blocos de 'building blocks of consciousness' (blocos estruturadores da consciência) e admite que eles são o fundamento de nossa percepção do tempo (Philosophical Transactions of the Royal Society B, vol 364, p 1887).

É uma idéia atraente, já que montar uma ordem cronológica dos eventos que atingem nossos sentidos não é uma tarefa simples. Os sons tendem a ser processados mais depressa do que as imagens, e sem algum tipo de sistema de agrupamento nós poderíamos, digamos, ouvir um vaso se despedaçando antes víssemos isso acontecer. Os blocos estruturadores de Pöppel resolveriam direitinho esse problema: se dois eventos acabassem no mesmo bloco estruturante, seriam vistos como simultâneos; se acabassem em blocos estruturantes consecutivos, pareceriam sucessivos. 'A percepção não pode ser contínua por causa dos limites do processamento neural. Um intervalo de 30 a 50 milissegundos é necessário para reunir em um quadro temporal a atividade distribuída do sistema neural', diz Pöppel".

O artigo ainda prossegue abordando outros focos e experimentos, incluindo distúrbios psiquiátricos e neurológicos. Muito bom.