quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A neuroquímica da informação

Aqui está a tradução de um artigo razoavelmente interessante da revista Scientific American. Como o original não tinha uma ilustração legalzinha, e me recuso a colocar um cérebro tchan só para figuração, bon apetit.

Scientific American - Mind Matters - October 13, 2009

A química do vício em informações
Um novo experimento revela porque sempre queremos saber a resposta
Chadrick Lane

Minha mãe é hoje um ser humano mais paciente, depois de ter criado uma criança que perguntava incessantemente: "Já chegamos?" Essa informação, quase sempre fora do alcance de uma criança pequena e frustrada, traz consigo uma sensação de recompensa. A maioria de nós tem bastante familiaridade com o desejo de saber mais sobre o futuro, seja acerca de um exame escolar, o resultado de um experimento ou a situação de um novo emprego. O conhecimento antecipado frequentemente não tem qualquer efeito sobre o resultado real do evento - vamos receber a mesma nota a despeito disso - mas ainda assim queremos desesperadamente saber. Isto leva ao que os cientistas chamam de "comportamento de procura por informações" - nossa mente tem intenso desejo por informações relevantes. A base neural por trás desse desejo aparentemente universal esteve oculta dos cientistas por algum tempo, mas a espera terminou.

As teorias contemporâneas de aprendizagem por reforço estão baseadas no sistema dopaminérgico de recompensa. Neurônios de dopamina, em algumas partes do mesencéfalo tais como a área tegumental ventral e a substantia nigra pars compacta, desempenham papel vital na expectativa da recompensa. A maior parte do que se sabe sobre esses neurônios vem do experimentos de registros com eletrodos feitos com macacos rhesus. Não surpreendentemente, estes neurônios reagem a recompensas primitivas, tais como água e alimento. Eles assinalam a expectativa de recompensa do macaco, mas o que não se sabia até agora é se estes mesmos neurônios também poderiam sinalizar a expectativa por informações. Para testar esta preferência por informações, que são uma recompensa cognitiva, um novo paradigma precisava ser estabelecido. Ethan Bromberg-Martin e Okihide Hikosaka, ambos do National Eye Institute, desenvolveram uma brilhante tarefa comportamental que abriu as portas.

No projeto experimental, macacos foram colocados em frente a uma tela de computador e foram treinados para executar uma tarefa de sacada na qual aprendiam a dirigir o olhar para áreas específicas. Primeiro os macacos receberam a opção de escolher um entre dois alvos coloridos. Um desses alvos daria ao macaco informações antecipadas sobre sua futura recompensa. A informação antecipada vinha na forma de indícios visuais, um representando uma grande recompensa e outro uma pequena recompensa. A escolha do outro alvo inicial colorido revelava indícios que estavam aleatoriamente associados ao tamanho da recompensa, não tendo assim qualquer valor informativo. Depois de apenas alguns dias de treinamento, os macacos demonstraram uma clara preferência pela escolha do alvo colorido mais informativo.

Os pesquisadores, então, fizeram testes para ver quando os macacos desejavam as informações. Neste cenário, inicialmente eram apresentados aos macacos dois alvos coloridos. Um deles tinha valor informativo, ao passo que o outro não. A diferença era que os macacos sempre recebiam indícios informativos perto do momento de receber a recompensa. A escolha que cada macaco tinha que fazer era ver um indício informativo anterior. A despeito de sempre obterem um indício informativo retardado, independentemente do alvo inicial que selecionassem, os macacos preferiam ter uma informação anterior assim que possível. Como os alunos do segundo grau que esperam seus resultados do vestibular, os macacos queriam saber, e queriam saber agora mesmo.

Enquanto humanos que experimentam antecipação quase que diariamente, nós podemos entender porque os macacos preferiam a informação imediata. Entretanto, o que exatamente em nosso cérebros poderia ser responsável por tal comportamento? Trabalhando a partir do palpite de que os neurônios de dopamina do mesencéfalo estão tremendamente envolvidos na expectativa da recompensa, tal como a chegada de um jato de suco, os pesquisadores hipotetizaram que os mesmos neurônios também poderiam estar sinalizando a expecativa das informações. Acontece que quando os alvos coloridos eram apresentados individualmente, os neurônios de dopamina reagiam mais fortemente ao alvo informativo do que ao alvo aleatório. Este resultado sustenta a noção de que os neurônios de dopamina do mesencéfalo estão codificando com referência a recompensas tanto primitivas como cognitivas.

Então, por que os neurônios de dopamina tratam a informação como recompensa? É fácil ver-se como tratar a informação dessa maneira pode ser uma adaptação evolutiva útil. Para muitos animais, cada dia consiste de numerosas decisões pertinenetes a comer, reproduzir-se e ter vida social. Obviamente, ter acesso às informações mais relevantes - como saber onde o alimento está localizado - permite que o animal tome melhores decisões. Além do mais, ter acesso a tais informações pode nos dar um melhor controle sobre nosso ambiente, aumentando assim nossas chances de sobrevivência.

Quando indaguei se seu trabalho poderia ter aplicações clínicas, os Drs. Bromberg-Martin e Hikosaka destacaram que decifrar o código neural por trás desses sistemas fornece informações sobre distúrbios dos gânglios basais. A doença de Parkinson é caracterizada pela morte de neurônios dopaminérgicos em áreas do mesencéfalo. Ainda que a doença esteja mais frequentemente associada a disfunções motoras, em alguns casos existem também danos cognitivos. Um desses danos é a perda gradual de motivação pelo paciente, e de sua capacidade de aprender através de recompensas. Já que os mesmos neurônios de dopamina codificam recompensas e informações, a morte desses neurônios pode também reduzir o impulso para procurar informações.

O Dr. Hikosaka também está bastante animado com o futuro destino da pesquisa. Há muito tempo pensa-se que há dois níveis de tomada de decisões: um nível consciente, que ocorre no córtex cerebral, e um nível inconsciente, nos gânglios basais. A história não é tão simples, diz ele, porque esses dois sistemas estão conectados através dos neurônios de dopamina do mesencéfalo. Talvez um trabalho futuro revele como nossas decisões conscientes e inconscientes estão exercendo influência entre si, tudo isso devido a uma população bastante ativa de neurônios de dopamina.

Afirma-se frequentemente que "a ignorância traz felicidade". Entretanto, quando você olha a ignorância a partir da perspectiva do cérebro, surge um quadro bastante diferente. Nossos cérebros, e os cérebros de outros animais, evoluiram para considerar as informações como recompensadoras. De fato, não saber é estressante, e é por isso que procuramos diminuir essa incerteza sempre que possível. Nós queremos a informação, e queremos agora!

www.scientificamerican.com/article.cfm?id=are-we-addicted-to-inform&print=true