domingo, 18 de outubro de 2009

Área de Broca e Processamento de Linguagem

O site Neurophilosophy publicou o artigo abaixo, simplezinho mas bem interessante, que tira a área de Broca (pronuncia-se 'brrô-cá', onde a primeira sílaba é fraca e a segunda forte) do limbo em que esteve nos últimos anos.

"Cirurgia em Pacientes Conscientes Revela Sequência e Timing do Processamento de Linguagem
Posted on: October 16, 2009 3:50 PM, by Mo

Pensar em uma palavra e dizê-la é algo que a maioria de nós faz sem esforço muitas vezes por dia. Isso envolve diversos estágios - temos que selecionar a palavra certa, decidir a conjugação apropriada e também pronunciá-la corretamente. As computações neurais básicas dessas tarefas são altamente complexas, e debatia-se se o cérebro executava todas ao mesmo tempo ou uma após a outra.

Esta discussão parece ter sido resolvida por uma equipe de pesquisadores americanos, que tiveram a rara oportunidade de estudar o processamento da linguagem em pacientes epiléticos conscientes durante cirurgia. No exemplar de hoje da revista Science, os pesquisadores relatam que o cérebro processa informações lexicais, gramaticais e fonológicas em uma sequência bem definida que dura menos de meio segundo, e que um centro único de linguagem conhecido como área de Broca está envolvido em todas essas tarefas.

A área de Broca tem esse nome devido ao médico francês Pierre-Paul Broca, que identificou essa região do cérebro durante exames post mortem de dois pacientes que tinham perdido a capacidade de falar depois de sofrerem lesões. Esses pacientes ainda eram capazes de entender a fala dos outros perfeitamente bem, e descobriu-se mais tarde que a área de Broca identificada - que se localiza no giro frontal inferior do hemisfério esquerdo - controla os músculos da garganta e da língua necessários para a produção de fala. Portanto, há muito tempo supõe-se que ela está envolvida apenas na produção de fala.

Hoje se sabe que a área de Broca também está envolvida em outros aspectos da fala. Mas a faculdade da fala não pode ser estudada em animais, e a resolução das técnicas utilizadas para se estudar o cérebro humano vivo, como a neuroimagem funcional, é muito baixa para que se possa examinar a atividade cerebral detalhadamente. Assim, desde que foi descoberta, pouco progresso foi obtido na compreensão do papel dessa parte do cérebro na linguagem. Os neurocirurgiões podem sondar o cérebro utilizando eletrodos colocados na superfície do córtex cerebral, mas as cirurgias que exigem esse procedimento não são executadas com muita frequência.

Utilizando uma variação da técnica pioneira de Wilder Penfield, da década de 1930, Ned Sahin e colegas implantaram sequências de eletrodos nos cérebros de três pacientes epiléticos que passavam por uma avaliação pré-cirúrgica. Durante o procedimento, mostrava-se aos pacientes palavras em uma tela de computador e era solicitado a eles que as repetissem silenciosamente ou que fizessem algumas inflexões. Por exemplo, se vissem a frase 'Ontem eles _____' seguida de 'andar', o paciente diria mentalmente 'Ontem eles andaram', e então apertaria um botão para indicar que a tarefa estava completa.

Os eletrodos foram implantados na área de Broca e em suas proximidades, permitindo que os pesquisadores registrassem a atividade neural associada ao processamento de linguagem, com alta resolução espacial e temporal. Isto revelou que a assinatura neural da tarefa de linguagem consistia de três componentes diferentes, que eram distintas em espaço e tempo e foram encontradas sistematicamente em todos os três pacientes.

As três fases de atividade elétrica foram registradas exclusivamente a partir da área de Broca, mas foram registradas em tempos diferentes e em subregiões distintas separadas umas das outras por diversos milímetros. A primeira componente ocorreu por volta de 200 ms após a apresentação de cada palavra. Foi verificado que o tempo era maior para palavras pouco usadas do que para palavras frequentes, mas não era sensível ao comprimento da palavra, sugerindo que corresponde à identificação da palavra. A área de Broca não está associada à identificação de palavras, mas demonstrou-se anteriormente que ela se ativa nessa escala de tempo em resposta a informações lexicais enviadas a ela de outras áreas de linguagem.

A segunda componente da assinatura foi registrada 320 ms após a apresentação da palavra, em uma região por trás da área de Broca. Descobriu-se que a atividade registrada nessa região era modulada durante experimentos que exigiam que os pacientes produzissem subvocalmente o pretérito de verbos ou convertesse substantivos entre o singular e o plural, mas não durante os experimentos nos quais a palavra era apenas repetida. Parece, portanto, estar envolvida no processamento de aspectos gramaticais mas não lexicais da linguagem.

A componente final foi registrada em torno de 450 ms, em uma subregião diferente. Este sinal era o mesmo que aqueles dos experimentos nos quais os pacientes liam a palavra como era apresentada, ou a repetiam uma frase que a contivesse no presente (para verbos) ou no singular (para substantivos). Entretanto, diferia em experimentos envolvendo envolvendo a conversão de um verbo para o pretérito, ou de um substantivo para seu plural. Estas inflexões geram resultados que soam diferentes dos outros - para o pretérito, deve ser selecionado um sufixo apropriado, como '_ed', e decidir como é pronunciado (por exemplo, o 'd' de 'handed' e o de 'walked' têm som diferente), assim como se o verbo é regular ('played') ou irregular ('bought'). Essas diferenças levaram os pesquisadores a concluir que essa terceira componente corresponde ao processamento das informações fonológicas.

De acordo com o modelo neurológico clássico da linguagem, a área de Broca está envolvida na produção da fala e a área de Wernicke, que se localiza no lobo temporal, é necessária para a compreensão da fala. Este estudo mostra que a área de Broca é subdividida em regiões funcionalmente distintas que estão envolvidas no processamento sequencial de diferentes aspectos da linguagem, e que seu papel na linguagem é muito mais extenso do que se pensava anteriormente. Vem somar-se a evidências anteriores que a área de Broca está envolvida tanto na produção da fala com em sua compreensão. Trabalhos futuros que utilizarem essas técnicas poderão revelar mais de sua estrutura sutil e fornecer outros indícios sobre seu desenvolvimento na fala".