segunda-feira, 23 de março de 2009

Experimental Non-Fiction

Não-ficção experimental é o nome do artigo de Jennifer Fisher Wilson na revista eletrônica The Smart Set (05.março.2009). Oficialmente ele é uma resenha do livro The Ten Most Beautiful Experiments, de George Johnson, mas em realidade é um artigo em si mesmo, e bem interessante, tendo tudo a ver com cognição. Aqui vai uma tradução desse artigo:

“Existem épocas da vida quando parece que nada muda – a vida continua correndo da mesma maneira antiga e frustrante, clichê após clichê. As décadas se sucedem. Então, de repente, pelo menos parece, partes importantes da vida se modificam instantaneamente e para sempre: um processador de texto para computadores substitui minha desajeitada máquina de escrever, um forno de micro-ondas degela minha refeição em minutos, e um telefone celular torna a tarefa de me encontrar em Lisboa, Londres ou Milão tão fácil como me encontrar em casa.

As noções científicas se modificam quase sempre da mesma maneira: nada, nada, e de repente bum! – em um clarão de inspiração elas mudam radicalmente. Em The Ten Most Beautiful Experiments, o conhecido escritor de artigos de divulgação científica, George Johnson, descreve como alguns dos experimentos mais notáveis da história derrubaram teorias sobre a natureza que há longo tempo eram respeitadas. Após cada um desses experimentos, escreve Johnson, ‘a confusão e a ambiguidade são momentaneamente varridas do mapa e algo novo sobre a natureza entra no campo de visão’.

Galileu teve que rolar uma bola por um plano inclinado muitas vezes antes que pudesse provar que a distância viajada é diretamente proporcional ao quadrado do tempo (um trabalho que derrubou a teoria de Aristóteles de que os objetos mais pesados caem mais rápido do que os mais leves). Isaac Newton manipulou prismas infindavelmente no processo de descobrir que as cores não são luz matizada, como se acreditava, mas sim um raio de luz ‘disposto preternaturalmente’ a se curvar de certa maneira (e que o branco é uma combinação de todas as cores, não a ausência de cor). Luigi Galvani provavelmente passou por centenas de pernas de rãs enquanto estudava o que fazia os animais pularem e revelava as bases eletroquímicas da vida. Outros ‘belos experimentos’ descritos nesse livro levaram à descoberta da velocidade da luz, à medição da carga de um elétron e à compreensão de que massa não pode ser criada nem destruida.

Talvez o trabalho mais difícil para esses cientistas tenha vindo após suas grandes descobertas, quando tinham que convencer outros a aceitar suas novas teorias científicas. Como convencer as pessoas de que comprar um microondas ou um telefone celular modificará suas vidas, modificar as percepções delas raramente é fácil.

Pense no trabalho de William Harvey, um médico londrino do século 17. Na escola de medicina ele aprendeu o dogma duplamente secular de que havia dois tipos de sangue no corpo, transportados por dois sistemas vasculares diferentes. Nas veias azuladas corria um fluido vegetativo, o ‘elixir da nutrição e do crescimento’ que era fabricado no fígado, enquanto que pelo coração e pelas artérias passava um fluido vermelho vivo ‘ativando os músculos e estimulando o movimento’. Todos os fluidos, supostamente, eram impregnados com um pneuma invisível, ‘espíritos que entravam através dos pulmões a cada inspiração, antes de passarem ao coração’.

Quando Harvey começou a estudar os corações de anfíbios, peixes, répteis, crustáceos, moluscos e outros pequenos animais, entretanto, entendeu que o coração na verdade não funcionava assim. Os corações não se expandem e se contraem passivamente, como lhe haviam ensinado. Ao invés, ele viu que o coração é que dirigia o sistema.

Elaborando uma hipótese radical – lembre-se que Harvey estava questionando ensinamentos de 1400 anos – ele propôs que havia apenas um tipo de sangue, e ele se movia em um círculo: após ser bombeado pelo lado esquerdo do coração e agitar as pontas das artérias, as veias o retomavam e faziam com que voltasse para o lado direito do coração. Fazendo uma experiência com uma cobra, ele demonstrou que ao se pinçar a vena cava um pouco antes do sangue entrar no coração esvaziava o sangue dos vasos abaixo da corrente sanguínea e fazia o coração bater mais devagar; liberando a pressão ele permitia que o coração se reenchesse de sangue e batesse normalmente de novo. Pinçando a artéria principal que seguia para fora do coração fazia o coração ficar distendido com sangue, e quando essa pressão era removida ele voltava a funcionar normalmente.

Se o coração, além de bombear sangue por todo o corpo, adicionava ou não alguma coisa a ele, como ‘calor, espírito, perfeição – isso deveria ser investigado de outro modo e decidido com base em outros fundamentos’, escreveu Harvey na época. Mas as pessoas não queriam pensar no coração como algo tão mecânico: a despeito da convincente qualidade dos experimentos de Harvey, quase ninguém acreditou nele. Segundo Johnson, ele defendeu por muitos anos suas descobertas contra aqueles que duvidavam delas.

Quando leio sobre cientistas, quase sempre me surpreendo com o volume de confiança – assim como de inteligência – necessário para empreender sua tarefa. Uma parte muito grande do trabalho empregado nas grandes descobertas se baseia em uma idéia bizarra conduzida na solitária obscuridade e efetivada através da repetição de pequenas tarefas – filtrando líquidos, medindo resultados e registrando ocorrências. Parece haver muito espaço para errar e muito tempo para perder a fé. Johnson também parece impressionado com o modo como tudo acontece, imaginando como os cientistas que conduziam esses ‘belos experimentos’ evitavam confundir seus instintos com suas suposições, ‘incoscientemente dando pancadinhas na aparelhagem, como se fosse uma mesa ouija, para que ele desse a resposta esperada’. Como ele afirma, ‘o equipamento de laboratório mais temperamental será sempre o cérebro humano'".
Original em http://www.thesmartset.com/article/article03050901.aspx