Com esse título, fica a impressão que John Searle quer se colocar ao lado de Kant e sua Crítica da Razão Pura, e de Sartre e sua Crítica da Razão Dialética. A magnitude é completamente outra, mas não impede que apreciemos o que Searle tem a dizer: nesses tempos neurocientíficos em que vivemos, a abordagem passa a ter outras ambições. Por exemplo, na última seção Searle explica que o cérebro não realiza processamento de informações, como defendem muitos cientistas cognitivos. Ainda que essa Crítica tenha mais de dez anos, não deixe de ler porque a argumentação muda de nível (passa para o neurofisiológico) e estabelece novos parâmetros. Diz ele:
“O que eu imaginei que diria um oponente agrega um dos piores enganos da ciência cognitiva. É achar que, no sentido em que se supõe que os computadores são utilizados para processar informações, o cérebro também processa informações. Para se ver que isto é um engano, contraste o que ocorre dentro de um computador com aquilo que ocorre no cérebro. No caso do computador, um agente externo codifica algumas informações em uma forma que possa ser processada pelos circuitos do computador. Isto é, ele ou ela fornece uma produção sintática de informações que o computador pode implementar, por exemplo, diferentes níveis de voltagem. Então, o computador passa por uma série de estágios elétricos que um agente externo pode interpretar tanto sintaticamente como semanticamente, ainda que, é claro, o hardware não possua qualquer sintaxe ou semântica implícita: está tudo no olhar do espectador. E a física não importa, desde que você consiga fazê-lo implementar o algoritmo. Finalmente, um resultado é produzido sob a forma de fenômenos físicos, por exemplo, uma folha impressa, que um observador pode interpretar como símbolos com sintaxe e semântica”.
E rebate:
“Mas agora faça um contraste disso com o cérebro. No caso do cérebro, nenhum dos processos neurobiológicos relevantes são relativos ao observador (ainda que, é claro, como qualquer outra coisa eles possam ser descritos a partir de um ponto de vista relativo ao observador), e a especificidade da neurofisiologia tem enorme importância. Para tornar clara essa diferença, vamos a um exemplo. Suponha que vejo um carro vindo em minha direção. Um modelo computacional padrão da visão vai adquirir informações sobre a cadeia visual que está em minha retina e eventualmente imprimir a frase ‘Há um carro vindo em minha direção’. Mas isso não é o que ocorre na biologia real. Na biologia, uma série concreta e específica de reações eletroquímicas se estabelece por causa do ataque dos fótons às células receptoras de fótons de minha retina, e o processo todo, eventualmente, resulta em uma experiência visual concreta. A realidade biológica não é a de uma porção de palavras ou símbolos sendo produzidos pelo sistema visual; ao invés, trata-se de um evento visual consciente, específico e concreto - essa mesma experiência visual. Esse evento visual concreto é tão específico e tão concreto como um ciclone ou a digestão de uma refeição. Podemos, com o computador, fazer um modelo de processamento de informações do tempo, da digestão ou de qualquer outro fenômeno. mas os próprios fenômenos não são por causa disso sistemas de processamento de informações.
Resumindo, o sentido de processamento de informações que é utilizado em ciência cognitiva está em um nível muito alto de abstração para apreender a realidade biológica concreta da intencionalidade intrínseca. A ‘informação’ do cérebro é sempre específica de uma modalidade ou de outra. É específica do pensamento, da visão, da audição ou do tato, por exemplo. O nível de processamento de informações descrito nos modelos computacionais de cognição da ciência cognitiva, por outro lado, é simplesmente uma questão de reunir um conjunto de símbolos enquanto output em resposta a um conjunto de símbolos enquanto input. Estamos impedidos de ver essa diferença pelo fato de que essa frase, ‘Vejo um carro vindo em minha direção’, pode ser usada para registrar tanto a intencionalidade visual como o output do modelo computacional da visão. Mas isto não deve obscurecer o fato de que a experiência visual é um evento consciente concreto e é produzida no cérebro através de processos eletroquímicos biológicos específicos. Confundir esses eventos e processos com a manipulação formal de símbolos é confundir a realidade com o modelo. O resultado dessa parte da discussão é que no sentido de ‘informação’ usado em ciência cognitiva, é simplesmente falso dizer que o cérebro é um dispositivo de processamento de informações...”
Leia o restante em The Critique of Cognitive Reason, de John Searle, em www.scribd.com/doc/7003628/John-R-Searle-The-Critique-of-Cognitive-Reason