domingo, 4 de dezembro de 2011

Anestesia e consciência

O leitor João M. T. Rubio, que recentemente nos apresentou Lucy Carrillo Castillo (ver postagem A Gripe, de 7 de outubro de 2011), enviou mais uma boa contribuição:

Banishing consciousness: the mystery of anaesthesia
29 November 2011 by Linda Geddes
http://www.newscientist.com/article/mg21228402.300-banishing-consciousness-the-mystery-of-anaesthesia.html?full=true

Da. Linda deixa bem claro logo no início:

Mesmo nossa tecnologia crescentemente sofisticada para investigação do inteior do cérebro, de modo desapontador, não conseguiu revelar uma estrutura que pudesse ser o local da consciência.

E pergunta depois:

Mas será realista esperar encontrar um local ou locais distintos que ajam como o "interruptor" da mente? Não de acordo com uma das principais teorias da consciência que vêm se firmando na última década, e que afirma que a consciência é um fenômeno mais amplamente distribuído. Nessa teoria de um "espaço global", as informações sensoriais aferentes são primeiro processadas localmente em regiões cerebrais distintas, sem que fiquemos cônscios delas. Só nos tornamos conscientes da experiência se esses sinais forem transmitidos para uma rede de neurônios espalhada por todo o cérebro, que então começam a se ativar em sincronia.

Como diz o nome do artigo, a consciência anestesiada é o assunto do dia. Fica implícito que a rede que cria o "espaço global" não se estabelece, ainda que investigações com fMRI e EEG demonstrem que o cérebro responde a estímulos de fala. Eis o parágrafo:

Owens e colegas já demonstraram anteriormente que as pessoas em PVS (persistent vegetative state - estado vegetativo persistente, também chamado de coma) reagem à fala com atividade elétrica cerebral. Mais recentemente ele fez experimentos em pessoas anestesiadas progressivamente com propofol. Mesmo quando pesadamente sedadas, seus cérebros reagiam à fala. Mas um exame mais minucioso revelou que as partes do cérebro que decodificam o significado da fala estavam de fato desligadas, provocando uma segunda opinião sobre o que estava ocorrendo com as pessoas em PVS. "Durante anos, estivemos observando pacientes em coma e em estado vegetativo cujos cérebros reagiam à fala e ficávamos terrivelmente seduzidos por aquelas imagens, pensando que eles estavam conscientes", diz Owen. "Isto nos diz que eles não estão conscientes".

Mas existe uma diferença importante na avaliação/descrição da profundidade anestésica utilizada. Indo ao artigo de Owen e colegas que está linkado nesse último parágrafo, ficamos sabendo que a expressão "profundamente sedado" se refere a um estado onde o paciente apresenta "no conversational response, rousable by loud command", isto é, não quer conversa mas acorda se v. gritar com ele. Esse artigo é:

Dissociating speech perception and comprehension at reduced levels of awareness
Matthew H. Davis et al.

PNAS October 9, 2007 vol. 104 no. 41 16032-16037
http://www.pnas.org/content/104/41/16032.full.pdf+html

Espero que não desliguem os aparelhos de ninguém enquanto essa situação não ficar mais clara.

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Um adendo: leia também o excelente artigo de Alfredo Pereira Jr (professor adjunto do Instituto de Biociências da UNESP)

Biophysical Mechanisms Supporting Conscious Perception: Prospects for an Artificial Astrocyte
Alfredo Pereira Jr
Adjunct Professor – São Paulo State University (UNESP) Institute of Biosciences
Nature Precedings : doi:10.1038/npre.2011.6484.1 : Posted 2 Oct 2011
http://precedings.nature.com/documents/6484/version/1/files/npre20116484-1.pdf

Prezado professor, temos por acaso uma versão em português desse artigaço?

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Um adendo: enviei um mail para o Professor Alfredo Pereira Jr. e ele respondeu com a maior cortesia e presteza, nos dando as seguintes dicas:

CIÊNCIAS DO CÉREBRO E A CONSCIÊNCIA HUMANA: UMA PERSPECTIVA ASTROCÊNTRICA
Alfredo Pereira Junior
Rev. Simbio-Logias, V.3, n.4, Junho/2010
http://www.ibb.unesp.br/servicos/publicacoes/simbio_logias/documentos/v3n4/Ciencias%20do%20Cerebro%20e%20a%20Consciencia%20Humana.pdf

Resumo
Qual a relação entre consciência e atividade cerebral? É possível que a atividade cerebral que dá suporte à consciência não seja uma função neuronal? Neste breve ensaio, apresento uma nova perspectiva nas Ciências do Cérebro, a Hipótese Astrocêntrica, proposta por James Robertson, que considera o astrócito como estágio final do processamento da informação que atinge a consciência. A rede astrocitária, formada pela conexão entre astrócitos das diversas regiões cerebrais, seria responsável pela integração de aspectos afetivos, emocionais, perceptivos e cognitivos em uma totalidade una e coerente, correspondendo ao “aqui e agora” de nossa experiência individual.

Os novos astros do cérebro
Luciana Christante
Revista Unesp Ciência - Fevereiro de 2010
http://www.unesp.br/aci_ses/revista_unespciencia/acervo/05/neurociencia-reloaded

(...)
Existe até uma hipótese astrocêntrica, segundo a qual a rede de astrócitos seria uma espécie de cópia da rede neuronal, instante a instante, mas codificada numa outra linguagem. Enquanto os neurônios “conversam” por meio de descargas elétricas, os astrócitos se comunicariam através das descargas de ondas de cálcio.

A ideia foi proposta em 2002 no Journal of Physiology pelo americano James M. Robertson, que curiosamente não é um acadêmico e dirige a empresa Artificial Ingenuity (de sistemas de inteligência artificial), em Phoenix, Arizona. Para ele, “a sinapse é o penúltimo passo no processamento de informação. O estágio final, que leva à consciência, à formação de memórias e a outras funções do córtex, ocorreria dentro da rede astrocitária cortical, depois que a informação é transferida para os receptores dos astrócitos em cada sinapse tripartite.” Traduzindo para uma linguagem leiga, é como se os astrócitos estivessem escutando tudo o que os neurônios falam, captassem e integrassem essas informações para gerar a consciência. Há quem diga que os limitados progressos das redes de inteligência artificial decorram da ausência de elementos que simulem os astrócitos.

Alfredo Pereira Jr. também enviou um artigo que investiga o que diz seu título, com a conclusão de que as habilidades psicomotoras são bastante incrementadas com o estudo de música (tocando bateria), e pelo que sei só os vizinhos dos bateristas é que não ficaram satisfeitos.

Contribuição do estudo de bateria para o desenvolvimento de habilidades psicomotoras gerais
Felipe Viegas Rodrigues e Alfredo Pereira Jr.
Ciências e Cognição 2005; Vol. 04: 55-60
http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v04/m11527.pdf