quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A Mente Enquanto Máquina

O livro é Mind as Machine: A History of Cognitive Science, de Margaret Boden. Tem 1680 páginas, foi publicado em 2006 e está em http://depositfiles.com/files/s76tu2zrw . Como é para elogiar, nada melhor do que a apresentação da própria editora do livro, a OUP – Oxford University Press:

“Descrição
O desenvolvimento da ciência cognitiva é uma das mais notáveis e fascinantes realizações intelectuais da era moderna. A saga para compreender a mente é tão antiga como o pensamento humano registrado; mas o progresso da ciência moderna passou a oferecer novos métodos e novas técnicas que revolucionaram a pesquisa. A OUP apresenta agora uma história magistral da ciência cognitiva, contada por um de seus mais eminentes profissionais.

A ciência cognitiva é o projeto de compreensão da mente através da modelagem de seu funcionamento. A psicologia é seu centro, mas ela aglutina diversos campos adjacentes de pesquisa, incluindo inteligência artificial, estudo neurocientífico do cérebro, investigação filosófica da mente, da linguagem, da lógica e da compreensão; trabalho computacional em lógica e raciocínio, pesquisa lingüística sobre gramática, semântica e comunicação; e explorações antropológicas das semelhanças e diferenças humanas. Cada disciplina, à sua própria maneira, indaga o que é a mente, o que ela faz, como ela funciona, como se desenvolveu – até como ela é possível. A principal característica distintiva da ciência cognitiva, sugere Boden, em comparação com as antigas maneiras de pensar sobre a mente, é a noção de entender a mente como um tipo de máquina. Ela traça as origens da ciência cognitiva desde as idéias revolucionárias de Descartes até os séculos 18 e 19, quando aparecem os pioneiros da psicologia e da computação. Então ela guia o leitor através dos complexos caminhos interligados ao longo do estudo da mente desenvolvido no século 20. A ciência cognitiva, segundo a concepção ampla de Boden, trata de uma grande amplitude de aspectos da mente: não apenas de ‘cognição’ no sentido de conhecimento ou raciocínio, mas emoção, personalidade, comunicação social, e até ação. Em cada área de investigação, Boden apresenta as idéias principais e as pessoas que as desenvolveram.
Ninguém mais poderia contar essa história como Boden: ela tem sido uma participante ativa na ciência cognitiva desde os anos 60, e conheceu as figuras mais importantes pessoalmente. Sua narrativa é escrita em estilo vívido e enriquecido pelo toque pessoal de alguém que conhece a história em primeira mão. Sua história move-se tanto para frente como para trás: é sua convicção de que a ciência cognitiva hoje – e amanhã – não pode ser entendida apropriadamente sem uma perspectiva histórica. Mind as Machine será uma rica fonte de informações para qualquer um que trabalhe com a mente, em qualquer disciplina acadêmica, e que deseje saber como nossa compreensão de nossas atividades mentais e capacidades se desenvolveram”. Para substanciar esses elogios todos escolhi o início de um capítulo do livro - sobre conexionismo:

Acendendo o Pavio (12.i)

O pavio do conexionismo foi instalado em meados do século 18 e ajustado com mais firmeza diversas vezes nos últimos 200 anos. Entretanto, só na década de 40 é que começou a se firmar. Isso ocorreu quando McCulloch & Pitts (1943) definiram redes neurais idealizadas de base lógica (ver 4.iii-iv). Durante a década de 30, loops de feedback neural, ou circuitos reverberativos, tinham sido postulados muitas vezes para explicar psicopatologias de vários tipos (4.iii e v). Mas no início dos 40, McCulloch pensava que eles eram em sua maior parte a atividade normal do cérebro. Quanto a como podiam ser adquiridos, ele e Pitts sugeriram em seu estudo ‘Logical Calculus' (1943) que a aprendizagem, em princípio, poderia ser modelada por redes cíclicas. Mesmo naquela época não houve qualquer explosão intelectual – apenas um brilho fraco. Inicialmente, seu estudo enfrentou hostilidade ou indiferença por parte da maioria dos psicólogos. Uma razão era sua implausibilidade neurológica. Outra era sua desagradável abstratividade. E uma terceira era seu caráter de otimismo: na época, as idéias só podiam ser implementadas de maneira muito primitiva (com ferros de soldar na dianteira). O brilho fraco só ficaria mais claro após a chegada dos computadores.


a. Uma longa gestação

O conexionismo foi concebido há quase três séculos (na década de 1740). mas teve uma longa gestação. Em sua forma embrionária, era apenas introspecção tornada biologia: a visão de David Hartley de que o pensamento tem como base mecanismos associativos do cérebro (2.x.a). Estes mecanismos, disse ele prescientemente, tornavam possíveis duas coisas. Primeiro, ligavam diferentes conceitos, de maneira que quando um deles vinha à mente, pensava-se no outro. Segundo, permitem que um simples fragmento traga de volta um estímulo completo. (Solfeje os três primeiros acordes da Quinta Sinfonia de Beethoven, ou dos Three Blind Mice – e veja se as pessoas próximas podem parar de pensar no quarto acorde). Hartley foi notável só por pensar em mecanismos cerebrais. Seu contemporâneo David Hume, um filósofo incomensuravelmente superior, teorizava sobre associações mentais mas não sobre nenhuma atividade cerebral detalhada (2.x.a). Suas ‘atrações’ supostamente newtonianas eram ainda mais misteriosas do que as ‘vibrações’ hipotéticas de Hartley. Cem anos mais tarde, as indicações de Hartley foram retomadas pelos filósofos (pai e filho) James e John Stuart Mill (2.x.a). Também apoiavam seu foco mentalista na associação de idéias, com especulações sobre o cérebro. Eles argumentaram que a aprendizagem poderia ser devida a uma crescente semelhança da atividade cerebral em certos pontos, como resultado de uma atividade simultânea anterior. Mas o que era essa atividade, e como poderia sua probabilidade ser modificada, continuou a ser um mistério.

No final do século 19, alguns biólogos pouco ortodoxos para a época se aventuraram a afirmar que o mecanismo poderia envolver elos entre unidades distintas, ou células cerebrais – em oposição a uma rede contínua, ou reticulum (2.viii.c). E em 1890, graças ao livro amplamente lido de William James, Principles of Psychology, essa ideía geral se tornou comum na nova disciplina da psicologia. Mas familiaridade não traz clareza, muito menos comprovação. Por quase 200 anos o palpite de Hartley continuou a ser apenas intrigante. Na década de 1940, entretanto, ele começou a parecer altamente plausível. A teoria do neurônio tinha sido reabilitada. Os ‘espíritos animais’ e as ‘vibrações’ tinham cedido lugar aos potenciais de ação. E diversas propriedades sinápticas – facilitação, inibição, fronteiras e períodos refratários – tinham sido estabelecidas recentemente (ver capítulo 2.viii).

Essas idéias levaram McCulloch e Pitts a descrever a psicologia como o estudo de redes neurais precisamente definidas (4.iii.e). Lashley e Donald Hebb propuseram que os psicólogos também deveriam pensar sobre a atividade de populações menos precisamente definidas de neurônios (5.iv). E em 1949, Hebb apresentou a idéia central de maneira mais aceitável, sugerindo que uma regra de aprendizagem ‘conexionista’ (a palavra é dele) para modificação das sinapses é o mecanismo neural básico da memória e do pensamento conceitual (5.iv.b-e). Também nessa época, idéias sobre computação e ‘auto-organização’ (como controle cibernético) em animais e máquinas surgiram (capítulo 4). Já que era então concebível que alguns artefatos poderiam funcionar de maneira algo similar ao cérebro, o conexionismo freqüentemente era expresso em termos computacionais – recorrendo às vezes à lógica, às vezes à estatística.

Alguns desses primeiros sistemas conseguiram demonstrar como todo um grupo de unidades (artificiais) podia armazenar uma representação’isolada’ – e acessá-la, como tinha previsto Hartley, quando recebesse apenas um indício parcial. A década de 1950 testemunhou o desenvolvimento de modelos que podiam aprender conceitos e também associá-los. Tipicamente, utilizava-se alguma versão da regra ‘ft/wt’ de Hebb (fire together/wire together – dispara junto/conecta junto). O conexionismo não era mais apenas um brilho no olhar de Hartley. Agora, o bebê estava bem e tinha realmente nascido”.