A internet é o seguinte. Esta frase termina aí mesmo - não vou acrescentar "a seguir" alguma coisa que eu possa achar da internet. É uma frase típica do português falado no Rio de Janeiro das décadas de 1960-70 pelos menores de 30 anos, e pronunciada com ênfase no "guinte" (que em português carioca, é claro, pronuncia-se "siguintchi"). Todo mundo sabe (que "todo mundo" é um galicismo) que se eu estiver conversando com um amazonense ou um catarinense e emitir a mesma frase com a ênfase adequada na hora certa esse interlocutor vai entender direitinho o que estou querendo dizer. O português brasileiro tem dessas coisas. Não faço a menor idéia porque isso ocorre, mas já li por aí (e desde antes do aparecimento da internet) que o Brasil é um dos poucos países qualificados informalmente como "continentais" cuja língua é perfeitamente entendida por todos os nativos, do Oiapoque ao Chuí.
Quando eu ainda postava em meu antigo site, traduzi um artigo - As línguas do nosso planeta estão morrendo, de Payal Sampat (2002) - onde o autor diz:
Marathi. Gujarati. Hindi. Inglês. Kutchi. Em Bombaim, na Índia, onde fui criado, eu usava estas línguas todos os dias. Para andar pelas ruas, pedir uma orientação e interagir com as pessoas eu tinha que ser capaz de falar marathi. Para ir à loja da esquina comprar arroz ou tomates para o jantar eu tinha que falar um pouco de gujarati, a língua de diversos comerciantes locais. Os meninos de minha escola vinham de tantas regiões linguísticas diferentes que nós conversávamos ou em inglês, a língua das aulas, ou em hindi, a língua mais amplamente falada da Índia.
Enquanto isto meus avós falavam kutchi, a língua dos nossos ancestrais que vieram dos desertos da Índia ocidental. A despeito de seus melhores esforços, eu fazia tudo que podia para evitar responder a meus avós em kutchi. Afinal, eles podiam conversar fluentemente em muitas das línguas de trabalho de Bombaim, e eu senti desde pequeno que o kutchi não era útil de qualquer maneira visível. Não podia me ajudar a fazer amigos, seguir o que estava na TV ou conseguir melhores notas. Então, desde o início, abandonei a língua dos meus ancestrais e ao invés escolhi operar no ambiente linguístico prevalecente.
Bem, o artigo de Sampat não é sobre a infância dele. É um artigo seríssimo sobre a extinção - devida a inúmeros motivos - de zilhões de línguas e dialetos através do mundo. Vale a pena dar uma olhada. Mas o que interessa aqui é que quando criança nosso herói falava normalmente, diariamente, pelo menos cinco línguas. Estou ciente de que até uma certa idade o cérebro da criança aceita bem a variedade, perdendo essa capacidade mais tarde.
Bueno, com esse intróito quilométrico estou querendo trombetear que vi no YouTube uma palestra sensacional do Professor Robert Kaposlky (Stanford) sobre linguagem, de 24 de maio de 2010.. Nela, que dura uma hora e quarenta e dois minutos, Kapolsky aborda com maior ou menor grau de detalhe todas as facetas mais importantes do fenômeno da linguagem - sua neurobiologia e neuroanatomia, o "fenômeno" dos macacos falantes (ASL) e algumas curiosidades sobre outros animais, Chomsky vs. Skinner, uma pitada de antropologia e arqueologia, enfim: falou 1'42"sobre o assunto sem enrolar, sem pigarrear, só coçou a cabeça duas vezes, usou três ou quatro telas brancas desenhadas ou escritas com pincel piloto, falou "duh" e "totally" apenas uma vez cada um, e abafou. Virei fã instantaneamente. Em pesquisa rápida, não achei a transcrição da palestra, que seria uma boa ajuda para quem ainda não acompanha bem o inglês falado. Mas não deixe que isso te desanime, se for o caso: peça ajuda aos amigos, continue procurando a transcrição, e aproveite o link para ver as outras vinte e tantas palestras de Sapolsky sobre assuntos diversos (depressão, etc.).
A palestra pode ser vista aqui:
Quando eu ainda postava em meu antigo site, traduzi um artigo - As línguas do nosso planeta estão morrendo, de Payal Sampat (2002) - onde o autor diz:
Marathi. Gujarati. Hindi. Inglês. Kutchi. Em Bombaim, na Índia, onde fui criado, eu usava estas línguas todos os dias. Para andar pelas ruas, pedir uma orientação e interagir com as pessoas eu tinha que ser capaz de falar marathi. Para ir à loja da esquina comprar arroz ou tomates para o jantar eu tinha que falar um pouco de gujarati, a língua de diversos comerciantes locais. Os meninos de minha escola vinham de tantas regiões linguísticas diferentes que nós conversávamos ou em inglês, a língua das aulas, ou em hindi, a língua mais amplamente falada da Índia.
Enquanto isto meus avós falavam kutchi, a língua dos nossos ancestrais que vieram dos desertos da Índia ocidental. A despeito de seus melhores esforços, eu fazia tudo que podia para evitar responder a meus avós em kutchi. Afinal, eles podiam conversar fluentemente em muitas das línguas de trabalho de Bombaim, e eu senti desde pequeno que o kutchi não era útil de qualquer maneira visível. Não podia me ajudar a fazer amigos, seguir o que estava na TV ou conseguir melhores notas. Então, desde o início, abandonei a língua dos meus ancestrais e ao invés escolhi operar no ambiente linguístico prevalecente.
Bem, o artigo de Sampat não é sobre a infância dele. É um artigo seríssimo sobre a extinção - devida a inúmeros motivos - de zilhões de línguas e dialetos através do mundo. Vale a pena dar uma olhada. Mas o que interessa aqui é que quando criança nosso herói falava normalmente, diariamente, pelo menos cinco línguas. Estou ciente de que até uma certa idade o cérebro da criança aceita bem a variedade, perdendo essa capacidade mais tarde.
Bueno, com esse intróito quilométrico estou querendo trombetear que vi no YouTube uma palestra sensacional do Professor Robert Kaposlky (Stanford) sobre linguagem, de 24 de maio de 2010.. Nela, que dura uma hora e quarenta e dois minutos, Kapolsky aborda com maior ou menor grau de detalhe todas as facetas mais importantes do fenômeno da linguagem - sua neurobiologia e neuroanatomia, o "fenômeno" dos macacos falantes (ASL) e algumas curiosidades sobre outros animais, Chomsky vs. Skinner, uma pitada de antropologia e arqueologia, enfim: falou 1'42"sobre o assunto sem enrolar, sem pigarrear, só coçou a cabeça duas vezes, usou três ou quatro telas brancas desenhadas ou escritas com pincel piloto, falou "duh" e "totally" apenas uma vez cada um, e abafou. Virei fã instantaneamente. Em pesquisa rápida, não achei a transcrição da palestra, que seria uma boa ajuda para quem ainda não acompanha bem o inglês falado. Mas não deixe que isso te desanime, se for o caso: peça ajuda aos amigos, continue procurando a transcrição, e aproveite o link para ver as outras vinte e tantas palestras de Sapolsky sobre assuntos diversos (depressão, etc.).
A palestra pode ser vista aqui: