Cognitive Critique é um journal publicado anualmente pelo Center for Cognitive Sciences, da University of Minnesota. Três números estão disponíveis para leitura, e trazem artigos excelentes. Esta postagem chama a atenção para os artigos Lashley's Serial Order Problem and the Acquisition/Evolution of Speech, de Peter F. MacNeilage (2011) e Book Review: MacNeilage’s The Origin of Speech, de James J. Jenkins (2010). Este último (AQUI) é recomendado por MacNeilage (p. 50 de seu artigo original) - e merece. Começa assim:
Acompanhando o ano bastante festejado do bicentenário de nascimento de Darwin, e o sesquicentenário de sua obra prima, A Origem das Espécies, é um privilégio fazer a apreciação desta obra tão importante na tradição darwiniana. O título do livro, A Origem da Fala, foi deliberada e conscientemente escolhido para evocar sua inspiração. Nesta obra, Peter MacNeilage (2009) fez a integração de quase cinquenta anos de sua própria pesquisa em psicologia e linguística e de sua leitura extensa e crítica das pesquisas e teorias de outros para elaborar uma explicação para a evolução da fala humana. Além disso, ainda que não seja seu objetivo principal, ele dá indícios de que essa evolução pode ser importante porque é um primeiro passo para que seja desenvolvida uma explicação sobre a própria faculdade da linguagem.
Não é uma tarefa das mais fáceis. MacNeilage nos avisa promissoramente em seu capítulo de abertura que pretende se alinhar com o cânone darwiniano. "Neste livro, é minha intenção dar uma explicação da evolução da fala que seja resolutamente fiel a uma perspectiva neodarwiniana - que defenda, em suma, que a fala não ocorreu através de um milagre secular, mas sim, ao invés disso, que ela evoluiu através da descendência com modificações, de acordo com o princípio da seleção natural." (p. 17)
O livro de MacNeilage, The Origin of Speech, foi postado aqui no CLM em 3 de julho de 2010. Veja AQUI.
Em Lashley's Serial Order Problem..., MacNeilage escreve no abstract:
The serial order problem is the problem of how any animal controls action sequences. Lashley maintained that in the case of speech the order of sounds was externally imposed on units that had, in them¬selves, no temporal valences. (etc.)
E prossegue nessa marcha. Eu nunca tinha visto um abstract tão pouco representativo do artigo que visa introduzir. Pelo menos não nesse nível de produção acadêmica. A totalidade do artigo é muitas e muitas vezes mais importante e interessante do que aquilo que o abstract procura descrever. Anyways, deve ser mesmo difícil empacotar num pequeno (por definição) texto a diversidade que o artigo abrange. Pouco depois, na Introdução, nos diz MacNeilage:
Este estudo é sobre o que se pode ganhar ao levar em consideração o veículo da transmissão de linguagem, a saber, a produção de fala, incluindo sua aquisição e sua evolução, a partir do ponto de vista de sua organização serial utilizando a perspectiva fornecida por Lashley. (...) Além disso, acrescenta uma tentativa de localizar o precursor ontogenético da fala - o balbucio dos bebês (babbling) - na perspectiva da etologia (a ciência do comportamento que ocorre naturalmente) e na perspectiva do recente progresso da nova disciplina científica da Evo-Devo - a biologia evolutiva do desenvolvimento. A tese básica desse estudo é que a presença do estágio do babbling da organização pré-fala nos oferece a chave para entendermos a evolução da capacidade para a produção de fala, uma capacidade sem a qual nem teríamos desenvolvido a linguagem falada, indiscutivelmente nossa mais importante possessão biológica.
A partir desse ponto, quando se inicia O Inatismo e a Compreensão de Fala, MacNeilage parte das concepções de Chomsky e Fitch, a crítica de Jeffrey Elman (não deixe de ver sua palestra, que foi noticiada aqui em 25 de março de 2008 em uma postagem sobre a série Grey Matters, em www.ucsd.tv/greymatters/archives.asp ), e acrescenta às nossas preocupações a psicologia evolutiva de Tooby e Cosmides, o livro de Steven Pinker (The Language Instinct), Evans e Levinson (2009) questionando a existência de universais linguísticos, Christianson and Chater (2008) questionando o próprio inatismo da gramática universal de Chomsky, e envereda pela crítica de um inatismo em fonética (citando Meilke, 2007 e Ladefoged, 2006, etc.).
MacNeilage dá grande importância ao estudo do babbling no contexto em que desenvolve seu trabalho, e faz referência a ele com diversas citações, examinando até o babbling sinalizado por bebês (de pais que utilizam a linguagem de sinais) e aproveitando a deixa para derrubar a afirmação de Chomsky feita em um artigo de 2006:
"...as linguagens de sinais são bem parecidas com as linguagens faladas e seguem os mesmos padrões de desenvolvimento, do estágio do babbling até a competência completa."
Não é tanto/apenas que eu seja fã de MacNeilage: é que me traz grande satisfação intelectual ler um artigo bem escrito e bem fundamentado. Para quem faz pesquisas e/ou trabalho de campo, é muito proveitoso.