segunda-feira, 11 de abril de 2011

Interocepção na Ansiedade e na Depressão

Interoception in anxiety and depression 2010
Martin P. Paulus & Murray B. Stein
Brain Struct Funct (2010) 214:451–463
PDF em
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2886901/pdf/429_2010_Article_258.pdf
Outro PDF em

http://koso.ucsd.edu/~martin/PaulusInteroceptiveAnxietyDepression.pdf

Abstract. Fazemos uma revisão da literatura sobre interocepção quanto à sua relação com depressão e ansiedade, com ênfase em crenças/opiniões/convicções (belief - ver Os Conceitos, abaixo) e em aliestesia. A ligação entre o input interoceptivo aferente intensificado/amplificado (increased) mas apresentando interferências (noisy), os estados auto-referentes e baseados em crenças/opiniões/convicções, e a modulação top-down de sinais antecipatórios (predictive) de baixa acuidade integra-se em um modelo neuroanatômico e de processamento referente a depressão e ansiedade. A vantagem dessa conceituação é a capacidade de se examinar especificamente a interface entre a interocepção básica, os estados auto-referenciais baseados em crenças/opiniões/convicções e a modulação top-down incrementada para se atenuar uma previsibilidade fraca. Concluimos que a depressão e a ansiedade não são simplesmente distúrbios interoceptivos, mas sim estados interoceptivos alterados em consequência de estados de crença/opinião/convicção antecipatórios auto-referentes que são amplificados/intensificados com interferências.

Vou manter o abstract original aqui embaixo para que o leitor possa ir acompanhando com mais facilidade as soluções encontradas e propostas para sua tradução acima:

We review the literature on interoception as it relates to depression and anxiety, with a focus on belief, and alliesthesia. The connection between increased but noisy afferent interoceptive input, self-referential and belief-based states, and top-down modulation of poorly predictive signals is integrated into a neuroanatomical and processing model for depression and anxiety. The advantage of this conceptualization is the ability to specifically examine the interface between basic interoception, self-referential belief-based states, and enhanced top-down modulation to attenuate poor predictability. We conclude that depression and anxiety are not simply interoceptive disorders but are altered interoceptive states as a consequence of noisily amplified self-referential interoceptive predictive belief states.

Os Conceitos

Os três conceitos que esse artigo parece instituir como eixos em torno dos quais suas proposições devem se encadear epistemologicamente são (1) interocepção, (2) aliestesia e (3) belief. Abaixo, vou colocar as definições encontradas no artigo (mas não deixe de ler as seções completas para ter uma compreensão melhor desses conceitos).

1. A interocepção

Interoception: base do 'como me sinto'. A interocepção compreende sentir o estado fisiológico do corpo, assim como a representação do estado interno no contexto de atividades correntes, e está estreitamente associada à ação motivada de regular homeostaticamente o estado interno. A interocepção inclui diversas sensações, como dor, temperatura, coceira, cócegas, toque sensorial (NT - acepção 1.a do OED para 'sensual'), tensão muscular, necessidade de ar, desconforto estomacal relacionado a um pH baixo e tensão intestinal, que em conjunto fornecem uma sensação integrada da condição fisiológica do corpo.

2. A aliestesia

Ainda que não conste no Houaiss, a palavra "aliestesia" já vem sendo utilizada com essa grafia em português brasileiro e de Portugal e em espanhol.

Alliesthesia é um constructo fisiológico introduzido em 1973 para articular os estímulos originados no meio ambiente exterior que afetam o meio ambiente interior. A aliestesia liga, de modo crítico, a experiência subjetiva de estímulos externos ao estado interno do indivíduo.

3. O belief

Traduzido no abstract como crenças/opiniões/convicções, fica como substantivo masculino porque é um constructo, um conjunto, um processo.

Belief: a key dysfunctional process in depression and anxiety
Belief pode ser definido um constructo mental proposicional que afirma ou nega a verdade de um estado de coisas/status quo (state of affairs) e está estreitamente relacionado a processos básicos de avaliação/juízo (basic judgement processes). A manutenção de um conjunto amplo e estável de beliefs é essencial para o comportamento inteligente, já que esse conjunto forma a base de todas ações que alguém possa empreender para chegar a seus objetivos. Ainda mais importante é que os beliefs são frequentemente utilizados na elaboração de modelos mentais do status do mundo, sendo portanto importantes constructos que guiam a tomada de decisão.


O Self
Por certo, o self é outro conceito importante nesse contexto, mas ele é utilizado mais operacionalmente. Veja, por exemplo:

Self: depression and anxiety
Um importante aspecto tanto da ansiedade como da depressão é a experiência alterada do indivíduo com respeito ao self, aos outros e ao futuro. Um processamento alterado com relação ao self (por exemplo, tendência reduzida em se auto-favorecer e/ou uma auto-imagem negativa exagerada) foi relacionado no desenvolvimento da ansiedade em geral e da ansiedade social em particular. Além disso, a antecipação de dano futuro ao self foi proposta como importante processo na ansiedade. Similarmente, descobriu-se com a utilização de rigorosa metodologia estatística que a baixa auto-estima é uma das vias críticas para o desenvolvimento de depressão. Esta propensão negativa de avaliação com relação a informações auto-relevantes persiste mesmo quando sintomas evidentes de depressão estão ausentes. Beck propôs que a depressão é uma manifestação de uma visão negativa irrealista da relação entre o self e o mundo.


A Insula

Esta estrutura neural recebe especial atenção dos autores, especialmente (pois...) quando estudam a neurociência da depressão e da ansiedade (uns 70 por cento desse artigo são dedicados a ela - i. é, à neurociência da depr...etc.).

A ínsula, considerada o centro interoceptivo do cérebro, é crítica na avaliação do impacto potencial dos estímulos sobre o corpo. Juntamente com o mPFC (medial prefrontal cortex), a ínsula desempenha papel crucial na detecção de estímulos emocionalmente proeminentes, assim como na geração e regulagem de respostas (NT - ou condutas, ou reações) afetivas. Anatomicamente, o córtex insular compartilha conexões aferentes e eferentes com o mPFC, assim como com o giro cingulado anterior.

Assim, ao procurar compreender os distúrbios de interocepção na ansiedade e na depressão deve-se levar em consideração como os aferentes e os processos interoceptivos do interior do córtex insular se integram com a representação neural do self. Em particular, como o self é uma manifestação de experiências cognitivas, afetivas e corporais passadas e atuais, deve haver um elo crítico entre os processos interoceptivos e os chamados esquemas disfuncionais, isto é, elementos organizados de experiências e reações passadas que formam uma representação relativamente persistente e coesa que guia a percepção e as avaliações. Os processos relacionados ao belief fornecem essa importante ligação entre o self e a interocepção.

Depois de descreverem o modelo anterior criado por eles em artigo de 2006,

O modelo básico proposto aqui (Fig. 1) é uma extensão e um refinamento do modelo insular de ansiedade que propusemos anteriormente (NT - veja An Insular View of Anxiety, abaixo). Considerávamos que a ansiedade é resultado de uma resposta antecipatória ampliada ao potencial de consequências adversas, que se manifesta no processamento incrementado do córtex insular anterior. O objetivo principal desse modelo era incorporar aspectos do processamento interoceptivo na conceituação da ansiedade.

Paulus & Stein falam um pouco do modelo atual:

Na atual formulação, nós ampliamos este modelo de três maneiras. Primeiro, propomos que os beliefs, isto é, afirmativas proposicionais que se referem ao estado do indivíduo e que são processadas no mPFC e na TPJ (temporo-parietal junction), contribuem significativamente para a avaliação de sinais interoceptivos antecipatórios. Segundo, supomos que a aliestesia positiva, isto é, uma exageração da valência (positiva ou negativa) relativa ao estado interno do indivíduo, desempenha um papel no aumento dos aspectos adversos de sinais corporais preditivos, isto é, sinais interoceptivos aferentes inicialmente sub-limítrofes são amplificados e associados à predição de resultados potencialmente adversos ou negativos. Terceiro, propomos que os indivíduos em risco de ansiedade e depressão exibem uma reduzida razão sinal/ruído dos aferentes interoceptivos.

No último parágrafo do artigo, os autores fazem uma avaliação geral:

O valor do modelo corrente é dissecar tanto os processos como as estruturas cerebrais para se poder ser capaz de formular e testar novas hipóteses sobre o distúrbio fundamental da depressão e da ansiedade. Especificamente, predizemos que indivíduos com ansiedade e depressão apresentam (1) capacidade reduzida de explicar adequadamente aferentes interoceptivos; (2) reação exagerada a aferentes interoceptivos adversos, mesmo àqueles que não são preditivos de resultados adversos. Em consequência, esses indivíduos devem executar de modo mais deficiente tarefas que são guiadas por sinais somáticos, por exemplo, a Iowa gambling task. Resumindo, nós propomos que tanto a depressão como a ansiedade representam estados interoceptivos alterados em consequência de estados de belief preditivos, interoceptivos e auto-referentes serem amplificados com interferências (noise). Devido ao input interoceptivo ascendente incerto e com ruído (noise), desenvolvem-se esquemas interoceptivos instáveis que favorecem a incerteza preditiva e, em consequência, uma tentativa forçada de operar um controle top-down desses inputs e predizê-los.

Aqui está alguma coisa sobre psicologia e neurociência da depressão e da ansiedade, e outros berloques:

An Insular View of Anxiety
Martin P. Paulus and Murray B. Stein 2006

The psychology and neuroscience of depression and anxiety: towards an integrative model of emotion disorders
Andrew H. Kemp and Kim L. Felmingham 2008
University of Sydney, Australia
Psychology & Neuroscience, 2008, 1, 2, 177 - 181

Neuroimaging and Depression. Current Status and Unresolved Issues
Ian H. Gotlib and J. Paul Hamilton 2008
Stanford University
Curr Dir in Psych Sci vol. 17 no. 2

Depression. The Brain Finally Gets Into the Act
Barry L. Jacobs 2004
Princeton University
Curr Dir in Psych Sci vol. 13 no. 3

Neurocognitive mechanisms of anxiety: an integrative account
Sonia J. Bishop 2007
University of Cambridge, UK

Cultural neuroscience: Visualizing culture-gene influences on brain function
Joan Y. Chiao 2010 (?)
Department of Psychology, Northwestern University


Neuroscience: The Science of the Brain
Published by The British Neuroscience Association, UK
Copyright British Neuroscience Association 2003
(simplezinho, mas interessante para quem não quer complicações)