Ça va sans dire: se esse artigo não fosse interessante, eu não teria o trabalho de traduzí-lo procês. Ele tem o condão de nos dar vontade de ler o original, o mínimo que se espera de resenhas desse tipo. Dona Janete entremeia tantas citações de Dijksterhuis em seu texto que fiz o seguinte: o texto dela fica em caracteres normais e as citações em itálico (mesmo entre aspas) - talvez ajude a construir uma perspectiva melhor da coisa toda.
Dijksterhuis revisited Janet Kwasniak
Um dos erros mais fáceis de cometer é ficar afeiçoado demais às palavras que v. usa e suas definições preferidas para elas. Eu tentei o mais que pude evitar discussões puramente semânticas. A leitura (e releitura) de trabalhos de Ap Dijksterhuis me fez reconsiderar como defino mente e pensamento.
Ao explicar sua UTT (unconscious thought theory - teoria do pensamento inconsciente), Dijksterhuis usa a palavra mente (mind) apenas uma vez (três, se contarmos uma citação e uma frase corriqueira) - ele evita a idéia de duas mentes em um só crânio. Ao invés, ele fala de dois modos de pensamento, um consciente e outro inconsciente. "...nós não supomos sistemas distintos. A UTT descreve as características de dois processos, mais do que de dois sistemas ou módulos". Fico à vontade com duas maneiras de funcionamento de um só sistema, em lugar de dois sistemas. E quanto ao pensamento, ele parece rotular o 'trabalho pesado' do pensamento como modo inconsciente. "Entretanto, isto não quer dizer que o pensamento consciente compreende apenas processos conscientes. Pode-se compará-lo à fala. A fala é consciente, mas diversos processos inconscientes (como aqueles responsáveis pela escolha das palavras ou pela sintaxe) parecem estar ativos para que alguém possa falar. Da mesma maneira, o pensamento consciente não pode ocorrer sem que processos inconscientes estejam ativos ao mesmo tempo". Ele até se deu ao trabalho, com o passar do tempo, de reduzir alguns contrastes entre os modos consciente e inconsciente no que se refere a atenção e metas. "...a compreensão da implementação do comportamento volitivo: aprendizagem implícita, condicionamento avaliativo e pensamento inconsciente. Conclui-se que esses processos dependem do objetivo e que precisam da atenção, mas que em geral eles podem ocorrer sem a percepção consciente (awareness)". Então posso conviver com 'dois modos de pensamento' - na verdade, estou até começando a gostar disso. Meu problema com o 'pensamento consciente' era que o pensamento (o processo, em oposição aos resultados) não é consciente, não percebemos as engrenagens cognitivas funcionando, apenas os resultados e sub-resultados do pensamento alcançam a consciência (consciousness). Nós percebemos apenas o modelo do mundo, não a construção do modelo. Existe apenas uma diferença semântica entre as duas descrições.
O que Dijksterhuis tem a dizer sobre a sua UTT é muito interessante. Ele propõe diversas diferenças entre os dois modos de pensamento. O pensamento consciente tem uma capacidade muito limitada - "Dependendo do contexto, a consciência pode processar entre 10 e 60 bits por segundo. Por exemplo: se v. está lendo, processa uns 45 bits por segundo, o que corresponde a uma frase curta. Entretanto, a totalidade do sistema humano, funcionando combinadamente, pode processar uns 11.200.000 bits por segundo." Por causa desse limite, o pensamento que utiliza a consciência tem que se valer de esquemas, estereótipos, controle top-down e métodos de simplificação por não ter a totalidade das informações à sua disposição. Ironicamente, "a despeito dos estereótipos serem ativados automaticamente, eles são aplicados quando se pensa conscientemente sobre uma pessoa ou um grupo." Devido a esse limite de capacidade, existe ainda o perigo de uma opinião preconcebida com a finalidade de simplificar - "a distorção antes de uma decisão mostra que mesmo não tendo recebido algo a ser esperado, as pessoas rapidamente criam seu próprio guia para incrementar o pensamento consciente." A importância relativa também sai prejudicada por causa desse limite de capacidade. "O pensamento consciente leva as pessoas a dar importância desproporcional a atributos que são acessíveis, plausíveis e de fácil verbalização."
A capacidade restrita do pensamento consciente provavelmente se deve ao uso da memória de trabalho, um atributo com faculdades bastante limitadas. Mas existem vantagens no pensamento baseado em regras quanto ao uso da memória de trabalho para manter os sub-resultados de cada etapa. "A chave para se entender porque o inconsciente não pode fazer aritmética é porque ele não pode seguir regras... A distinção entre o pensamento baseado em regras e o pensamento associativo se circunscreve em boa parte na distinção entre a consciência e o inconsciente. Durante o pensamento consciente pode-se lidar com problemas lógicos que exijam precisão e cumprimento estrito de regras, ao passo que durante o pensamento inconsciente pode-se...distinguir entre cumprir as regras e meramente conformar-se a elas, e esta distinção é muito importante aqui. Por exemplo, uma maçã obedece à gravidade ao cair, não subir, mas ela não cumpre ativamente uma regra ao fazer isso." Acredito que isto é similar à razão pela qual a fala tende a estar no modo consciente, como a matemática e a lógica: montar uma frase é um processo pontuado (stepwise), preciso e baseado em regras.
Finalmente, a capacidade limitada do modo consciente significa que ele é convergente, ao passo que o modo inconsciente é divergente. Isto é relevante para a criatividade. "Há muito a criatividade está associada à noção de incubação (depois de algum pensamento inicial no modo consciente)." O pensamento inconsciente pode explorar aspectos limítrofes sem ficar confinado ao que é fundamentalmente importante.
Mas vou prosseguir com minhas próprias palavras. Acho que quatro coisas deveriam ser distinguidas: há (1) pensamento/cognição, há (2) memória de trabalho, há (3) foco de atenção e há (4) experiência consciente. É provável que todas as quatro sejam grupos complexos, mais do que processos simples. Suponho que o pensamento/cognição é basicamente inconsciente. Provavelmente a única via para a memória episódica seja através da memória de trabalho, e a única via para a memória de trabalho seja através da consciência. É quase certo que o processo da atenção dirija o pensamento e também determine o que fica incluído tanto na consciência como na memória de trabalho. A consciência é um modelo integrado do mundo, do eu, do aqui e do agora, modelo acessível à maior parte dos processos inconscientes. Usando as palavras de Dijksterhuis, v. poderia qualificar esses dois modos de pensamento - um como consciente e o outro como inconsciente.
O principal artigo citado por Janet Kwasniak: Dijksterhuis, A. & Nordgren, L. (2006). A Theory of Unconscious Thought. Perspectives on Psychological Science, 1 (2), 95-109
Muita coisa para ler: Unconscious Lab This is the website of the Nijmegen Unconscious lab, led by Ap Dijksterhuis and Rick van Baaren (com artigos atualizados apenas até 2009)